O IBRI e o Brasil - 50 Anos
22/09/2006
Fundado nos estertores da Era Vargas, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) chega ao seu cinqüentenário. A mais antiga instituição do gênero criada na América Latina, o IBRI se prepara para celebrar o fato de ter antecipado o debate internacional no país. Criado no seio da sociedade civil, atuando em um país jovem, cheio de desafios domésticos que continuam oscilando do campo da assimetria social ao déficit educacional, o IBRI conferiu maturidade ao Brasil nos temas atinentes à sociedade internacional e ao lugar do país no mundo.
O Instituto ocupou lugar privilegiado, no meio século que separa o ato de fundação, em 1954, dos novos tempos de internacionalização desenfreada das nações. O Brasil não permaneceu omisso ante os temas da paz e da guerra, ao reagir à constituição de regras e padrões que não pudessem trazer algum grau de previsibilidade à vida internacional dos povos bem como ao seu desenvolvimento nacional e das nações mais atrasadas economicamente. Em especial, o IBRI foi o lugar para onde convergiram grandes debates e personalidades interessadas em avaliar a presença internacional do país e as possibilidades de ampliação da nossa presença nos grandes momentos das relações internacionais contemporâneas.
Testemunha dos espasmos da política interna, o IBRI manteve a leitura continuada no tempo acerca do lugar do Brasil no concerto das nações. No momento em que nos encontramos na celebração das cinco décadas de vida, temos pela frente novos campos de interesse. O primeiro encontra-se, certamente, no campo do conhecimento e da formação de profissionais aptos ao exercício do ofício das relações internacionais, quer na diplomacia, quer nas empresas e nas organizações com sensibilidade internacional. Nesse campo, o IBRI vem lembrando em seus textos e debates que o Brasil não se deixou colonizar intelectualmente nos últimos cinqüenta anos. Ensejou, ao contrário, o desenvolvimento de um pensamento nacional no campo das relações internacionais. Filtrou, administrou tendências e visões dominantes nos grandes centros e núcleos hegemônicos da política internacional, domesticando-as em favor da construção de um léxico próprio e de um olhar brasileiro sobre o mundo.
A expansão entrópica na formação de especialistas de relações internacionais no Brasil, nos anos 90 e início da presente década, rompeu, apenas em parte, a força das correntes autóctones. Apesar da importação acrítica de textos externos, permaneceram e até ampliaram-se no Brasil os estudos de relações internacionais dotados de atualíssimo sentido de brasilidade. O aumento do número de coleções publicadas pelo Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, a partir de meados da década de 1990, traz textos ávidos de brasilidade e entusiásticos das novidades globais, demonstrando o quanto é possível criar um pensamento nosso. A qualificação dos professores de relações internacionais e de negociadores externos, por meio de cursos de capacitação e treinamento, é uma das marcas da atuação renovada do IBRI nos últimos anos.
O conhecimento é universal, embora sua tradução local exija esforço hercúleo para captar o sentido cultural profundo da sensibilidade social e política das realidades que cercam a especificidade brasileira. Essa é a razão da continuidade da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), criada em 1958, – o mais tradicional e qualificado veículo de formação da opinião pública, na discussão de temas atinentes às relações internacionais e lugar do Brasil no mundo – e explica a resistência às tentativas de encerramento do seu ciclo de contribuição.
Revigorada a partir de 1993, após instalação de sua nova editoria na capital da República, a RBPI vem dando prova de vigor e de forte penetração, tanto no meio acadêmico e diplomático quanto no meio social, em especial junto às comunidades empresariais e estudantis. Esse espírito de cooperação levou o IBRI a propor à Petrobrás e à Fundação Alexandre de Gusmão, em meados da década passada, a publicação da primeira coleção brasileira de estudos internacionais, com o objetivo de explorar os diferentes campos das relações internacionais – área multidisciplinar, por excelência. Foram editados alguns livros dedicados à formação histórica das relações internacionais e à compreensão da força da cultura na vida internacional contemporânea. Outros tratam de agendas e teorias. Os chamados novos temas, advindos das grandes conferências mundiais da década de 1990 foram tratados, de forma inédita.
A idéia era óbvia: resistir à forte pressão editorial dos livros do tipo leitura de aeroporto, do ganho fácil e da ilusão dos conceitos feitos para outros que não partilham nossos problemas, ou da ilusão de que a mera leitura de clássicos pudesse oferecer pistas completas para desvendar os desafios das relações internacionais do presente. A lógica foi a do adensamento da discussão, útil para os jovens que chegavam às novas faculdades de relações internacionais, de palavras e termos mais próximos a nós e a eles, sem concessão, no entanto, à erudição e ao conhecimento universalmente produzido.
Ao concluir, fica a mensagem do IBRI para o balanço entre o passado e o presente da política exterior do Brasil. Há lições nesses cinqüenta anos que deveriam servir de alicerce para ambições do porvir. A lição maior é a da força da sociedade nacional na impulsão de um país que, tranqüilo e otimista, procura utilizar meios pacíficos para melhorar sua inserção soberana sem a violência do intruso e em respeito irreprochável à noção de comunidade internacional.
A política exterior do Brasil, ao ser de Estado, soube trabalhar no tempo com a sociedade internacional, corrigindo distorções de dentro para fora e de fora para dentro do país. Desvios desse curso foram, quase sempre nesses cinqüenta anos, danosos à pavimentação do caminho legítimo da afirmação do Brasil no concerto das nações. O liberalismo desenfreado foi, sem margem de dúvida, uma dessas distorções.
José Flávio Sombra Saraiva
Diretor-geral do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI)