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Na RBPI 1/2012 - Cáucaso do Sul e Balcãs Ocidentais: bons vizinhos ou futuros estados membros da UE?

As relações externas da União Europeia têm sido marcadas por processos de alargamento e aprofundamento da integração europeia. Os sucessivos alargamentos a novos estados membros são vistos como o instrumento mais eficaz da política externa europeia, promovendo a exportação do modelo de governação da UE para lá das suas fronteiras e atuando como força estabilizadora de longo prazo. Por outro lado, no quadro das políticas de proximidade desenvolvidas pela UE no contexto pós-alargamento de 2004, a União tem procurado aplicar instrumentos de condicionalidade e socialização, próximos do modelo de alargamento e visando resultados semelhantes. O estabelecimento de regimes democráticos e de economias liberais tem avançado lado a lado com a promoção de direitos humanos e do estado de direito. Este é o modelo de sucesso europeu que tem sido promovido na vizinhança imediata da União, nomeadamente nos Balcãs ocidentais, e nos países abrangidos pela Parceria Oriental. A UE tem, por isso, promovido uma abordagem preventiva na gestão dos conflitos na vizinhança, apoiando projetos de longo prazo e com graus diferentes de integração nas estruturas europeias.

Se por um lado o sucesso europeu é um motivo forte para a exportação do modelo, por outro isso também significa que o diagnóstico feito às necessidades dos vizinhos tem sido semelhante. Seja nos Balcãs ocidentais, seja nos países da vizinhança a leste, as propostas europeias têm sido, consistentemente, fundamentadas numa apreciação similar dos desafios que se colocam nestas regiões: a necessidade de fortalecer instituições democráticas, de liberalizar e aprofundar a integração económica com a UE, fortalecer do estado de direito como forma de combater elevados níveis de corrupção, garantir o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais e o respeito pela resolução pacífica de disputas, entre outros. Podemos pois dizer que a UE tem aplicado uma receita de sucesso aos diferentes espaços políticos e sociais nas suas fronteiras a leste, baseando-se na sua própria experiência e na perspetiva de que os desafios que se colocam a estas regiões são similares.

Este artigo questiona a validade destas assunções e propõe olhar para o percurso dos Balcãs ocidentais e do Cáucaso do sul rumo à integração europeia. Se por um lado, a abordagem da UE para os Balcãs é de plena adesão às instituições europeias, por outro lado, a ausência dessa perspetiva na vizinhança, nomeadamente no Cáucaso, tem um impacto negativo no progresso das reformas internas e na estabilização regional. O artigo identifica possibilidades e limites na abordagem da UE, bem como elementos de proximidade e de distância entre as duas regiões. Quais as principais políticas promovidas pela UE para estes dois espaços políticos? Que objetivos são estabelecidos? E que discurso político é promovido pelas instituições europeias? Através da abordagem comparativa às duas regiões e aos dois instrumentos desenvolvidos pela UE será possível entender os principais desafios que se colocam à concretização de um projeto normativo de estabilização regional, bem como à definição da União Europeia como um ator de política externa.

Este artigo contribui para a reflexão sobre o papel da UE para a estabilização do espaço pan-europeu, olhando para as suas políticas de alargamento e vizinhança, aplicadas aos Balcãs ocidentais e ao Cáucaso do sul. A conceptualização da abordagem europeia sublinha a preferência por modelos estruturais de política externa, frequentemente dominados pela Comissão Europeia, em detrimento de abordagens políticas centradas em torno da reestruturação estratégica da(s) sua(s) vizinhança(s). O desenvolvimento de relações políticas entre a UE e os estados nos Balcãs e no Cáucaso revela uma tendência hierárquica e assimétrica, marcada por forte condicionalidade democrática e diferentes níveis de envolvimento da UE nas dinâmicas regionais. A prevalência das reformas democráticas e a consolidação de modelos económicos e políticos liberais é vista pela UE como parte integrante na integração destes estados na comunidade política europeia, de valores partilhados e com claros dividendos de segurança regional.

Contudo, a permanência deste modelo estrutural tem enfrentando importantes limites, nestas duas regiões de grande importância estratégica para a UE. Dificuldades na socialização dos parceiros nos valores comuns da democracia, dos direitos humanos e do estado de direito permanecem um obstáculo importante na estabilização regional e na integração destas regiões nas estruturas de governação internacional. Para além disso, face à falta de resultados económicos com impacto positivo nas condições sociais destas sociedades e na ausência de capacidade financeira da UE de suportar estas reformas, a pressão sobre os governos pró-ocidentais aumenta e abre espaço a outros discursos mais radicais e extremistas. As forças nacionalistas têm, por isso, permanecido como importantes atores domésticos, com expressão particularmente forte em alguns países dos Balcãs ocidentais, apesar da integração europeia ser a opção de política externa escolhida pelas elites políticas moderadas, atualmente no poder. Para além disso, no caso dos países abrangidos pela Parceria Oriental esta perspetiva de uma adesão formal está ausente, tornando os benefícios da integração parcial com a UE menos evidentes, diminuindo com isso a eficácia da condicionalidade da UE.

Os resultados obtidos, quer em termos das reformas políticas e económicas, quer em termos da resolução dos conflitos regionais, têm sido claramente limitados no Cáucaso do sul e determinantes nos Balcãs ocidentais. Não só deve ser destacado o papel crucial que as estruturas europeias têm tido no frágil equilíbrio entre a «independência do Kosovo» e a mais célere «integração europeia da Sérvia», como também na manutenção da pelo modelo democrático europeu no topo das preferências nacionais dos restantes jovens regimes democráticos provenientes da antiga Jugoslávia. Pese embora, as importantes transformações em curso, quer nos Balcãs, quer no Cáucaso, a capacidade destas regiões se emanciparem da dependência europeia parece ser diminuta ou não desejada, ao passo que a sua integração nas estruturas da UE será, na melhor das hipóteses, um processo longo e incerto. Por fim, a acomodação de outros interesses regionais paralelos e sobrepostos aos da UE, nomeadamente da Rússia, mas também da própria Turquia deixam muito a desejar. A questão do Kosovo permanece um fator de tensão entre Moscovo e Bruxelas, ao passo que os conflitos na Geórgia e a diversificação energética da UE, com recursos do Cáspio, têm sido vistas pela Rússia como passos na alteração dos equilíbrios regionais de poder em seu detrimento.

Licínia Simão é professora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal ([email protected]).

Sónia Rodrigues é professora do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa, Portugal ([email protected]).

SIMAO, Licínia and RODRIGUES, Sónia. A União Europeia entre o alargamento e a vizinhança: os casos dos Balcãs ocidentais e do Cáucaso do sul. Rev. bras. polít. int. [online]. 2012, vol.55, n.1, pp. 49-65. ISSN 0034-7329.

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