Edição da RBPI marca os sessenta anos do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, por Antônio Carlos Lessa

A publicação do número 2 do volume 57 da Revista Brasileira de Política Internacional marca a celebração dos sessenta anos de fundação do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais - IBRI, fundado em 1954 no Rio de Janeiro, e transferido para Brasília em 1993.

Nesse número, recentemente disponibilizado integralmente na página da Revista no Scielo, publicamos um editorial no qual se põe em perspectiva a trajetória espetacular do IBRI, e o trabalho consistente de gerações de colaboradores que o Instituto soube arregimentar para manter a RBPI, indiscutivelmente, o seu grande empreendimento. Além desse editorial, a presente edição da RBPI traz onze artigos que analisam temas candentes da agenda internacional contemporânea e, de especial interesse para a compreensão da inserção internacional do Brasil.

João Paulo Soares Alsina, diplomata de carreira e Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, examina no artigo Rio Branco, grande estratégia e poder naval”, a grande estratégia do Barão do Rio Branco e o papel que o programa de reorganização naval (1904-1910) desempenhou na estratégia de inserção internacional então desenhada e implementada. O estudo de caso realizado determinou os condicionantes domésticos e internacionais daquele programa, assim como a mundivisão do patrono da diplomacia brasileira a respeito da instrumentalidade do poder militar para a condução da política externa.

Em UN Security Council decision-making: testing the bribery hypothesis”, Eugenio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa e Mariana Baccarini, ambos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, analisam a natureza da assistência internacional controlada pelos EUA no contexto das organizações internacionais. Para tal, buscam confrontar as expectativas do Institucionalismo Liberal e do Realismo Estrutural sobre as organizações internacionais e uma avaliação preliminar sugere que essas relações só perduram durante o período da Guerra Fria, e, mesmo então, somente quando a condição de membro não permanente do CSONU ocorre em anos em que o Conselho de Segurança era considerado muito importante.

Juliano Cortinhas da Silva, do Instituto Pandiá Calógeras (think tank vinculado ao Ministério da Defesa), no artigo “O orçamento de defesa dos EUA: racionalidade X pressões domésticas” se propõe a analisar a combinação entre condições sistêmicas e dos interesses de agentes internos que atuam pela manutenção dos elevados gastos que aquele país vem apresentando em segurança e defesa.

Em “A paz (ainda) pela jurisdição compulsória?”, George Rodrigo Bandeira Galindo, lembra que, de acordo com a tradição kantiana, Hans Kelsen, em seu Peace through Law (1944), defendeu que a criação de um tribunal internacional com jurisdição compulsória deveria ser o primeiro passo rumo à eliminação das guerras. Anos depois, Kelsen foi vitorioso e derrotado. Embora muitos tribunais internacionais possuam jurisdição compulsória, problemas como guerra e paz, por sua complexidade, continuam sem solução definitiva. Galindo é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.

Édison Renato Silva e Domício Proença Júnior, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no artigo Um delineamento da dinâmica tecnológica militar como restrição para aquisição, cooperação internacional e desenvolvimento tecnológico interno”, propõem que o argumento que se vulgariza de que gastos em defesa promoveriam desenvolvimento nacional a partir dos retornos tecnológicos da aquisição, cooperação internacional e pesquisa doméstica, na verdade, subestimaria as diferenças da dinâmica tecnológica das forças armadas.

No artigo Uma política para o continente - reinterpretando a Doutrina Monroe”, Carlos Gustavo Poggio Teixeira discute um aspecto frequentemente menosprezado pelas análises acerca da Doutrina Monroe: o fato de que, longe de ser uma política concreta para todo o continente, tinha duas facetas bastante distintas tanto do ponto vista retórico como político. Através do exame principalmente de bibliografia produzida nos Estados Unidos, em especial daquelas que tiveram acesso a fontes primárias, o artigo demonstra que a Doutrina Monroe tinha um caráter claramente caribenho - e não latino-americano - a partir do reconhecimento, por parte tanto dos formuladores de política dos Estados Unidos como dos sul-americanos, de que a América do Sul era um sistema separado da América do Norte. Poggio Teixeira é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Os professores da Universidade de Brasília Amado Luiz Cervo e Antônio Carlos Lessa propõem, no artigo “O declínio: inserção internacional do Brasil (2011-2014)”, uma análise dos fundamentos da política externa formulada e implementada no Governo Dilma Roussef (2011-2014). Para tanto, cuidam de verificar as causas da perda de eficiência da estratégia de ação internacional adotada no governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), a partir da elaboração de hipótese analítica relacionada com a ideia de declínio relativo.

No artigo Governança de recursos comuns: bacias hidrográficas transfronteiriças”, o grupo de pesquisadoras liderado pela Professora Matilde de Souza, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, analisa processos de inovação institucional, com foco para a governança das bacias transfronteiriças dos rios Apa, Acre, Lagoa Mirim e Quaraí, todos situados na América do Sul. No trabalho, se busca identificar a internalização de diretrizes internacionais para a gestão de águas e discutir inovações quanto a estruturas de governança desse recurso compartilhado.

O processo político interno na Coréia do Norte e as suas consequências internacionais é o tema do trabalho de autoria de Paulo Fagundes Vizentini e Analúcia Danilevicz Pereira, docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O artigo “A discreta transição da Coreia do Norte: diplomacia de risco e modernização sem reforma” aponta para o fato de que o regime de Pyongyang impulsiona a modernização da defesa, enquanto recoloca o Partido como ator relevante, definindo o desenvolvimento econômico como vetor. Mas a modernização em curso prossegue com a tradicional diplomacia de risco que parece descartar a ideia de reforma, conservando a essência do regime.

A implementação da governança multinível tem sido uma prioridade na política de coesão da União Europeia. No artigo Governança multinível e coesão social na União Europeia: a valoração dos agentes locais, um estudo de caso dentro da Galícia”, Mónica Lopez-Viso e Antón Lois Fernandez avaliam as conquistas e as fraquezas da implementação do Fundo Social Europeu analisando as suas debilidades, como a pobre participação dos agentes locais. Os autores são professores da Universidade de Vigo, na Espanha.

O argumento central do artigo “Potências emergentes na ordem de redes: o caso do Brasil” se desenvolve a partir da constatação de que na última década, mudanças e inovações foram introduzidas nas redes intergovernamentais de política externa. Novas potências como Brasil adquiriram um peso relativo devido ao seu novo status atuando como definidor de agendas, moderador e construtor de coalizões. O trabalho, de autoria de Daniel Flemes (pesquisador do Institute of Latin American Studies do German Institute of Global and Areas Studies, em Hamburgo, Alemanha) e de Míriam Gomes Saraiva (professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), examina a relevância de diferentes redes de política externa como o Fórum Índia-Brasil-África do Sul (IBAS) e Brasil-África do Sul-Índia-China (BASIC) para a política externa brasileira desde 2003.

Os artigos publicados nesse número são listados abaixo:

Antônio Carlos Lessa, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasilia, é editor da Revista Brasileira de Política Internacional - RBPI (@antoniolessa).

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