As Grandes Estratégias dos Estados Unidos (1989/2010), por Cristina Soreanu Pecequilo
Em Maio de 2010, o Presidente norte-americano Barack Obama anunciou o lançamento de sua Estratégia de Segurança Nacional (NSS-2010), em substituição à Doutrina Bush de 2002. Bastante esperada desde o início da administração democrata em Janeiro de 2009, a nova Doutrina tem como título “Um Guia Para Alcançar o Mundo que Desejamos” em oposição ao que define como “O Mundo Como Ele É”, e, em suas linhas gerais, é caracterizada por um tom progressista derivado de uma nova percepção do mundo e do papel da liderança dos Estados Unidos (EUA) dentro dele.
Em oposição ao unilateralismo, unipolarismo e prevenção, a nova NSS-2010 aborda seus contrários: o multilateralismo, o multipolarismo e a cooperação, abrindo espaço para temas sociais, ambientais, direitos humanos, ciência e tecnologia, e o bem estar da sociedade norte-americana em um contexto de globalização. Ainda que não abra mão da supremacia militar, a NSS de Obama enxerga o cenário por um prisma abrangente e complexo. Sobre o multilateralismo, sustenta-se que
Em anos recentes, a frustração da América com as instituições internacionais nos levou a nos engajar no sistema das Nações Unidas em uma base ad hoc. Mas em um mundo de desafios transnacionais, os EUA precisam investir no fortalecimento do sistema internacional, trabalhando dentro das instituições internacionais e suas estruturas para enfrentar estas imperfeições e mobilizar a cooperação transnacional (NSS, 2010).
O termo GWT dá lugar à visão de um sistema internacional com forças estatais e transnacionais, e no qual os EUA e seus parceiros exercem um papel construtivo e democrático. Em termos de inimigos, a Al-Qeada e seus afiliados, assim como os riscos da proliferação (associados à prioridade de reelaboração de acordos, parcerias e da agenda do “rumo ao zero) surgem como prioridades. A nova NSS-2010 recomenda a elaboração de uma abordagem integrada de segurança, mesclando componentes internos aos externos para garantir a integridade nacional. Regional e globalmente, estas linhas implicam em políticas mais equilibradas e de cooperação entre os EUA e potências regionais na Europa, Ásia e Américas, maior atenção à mudança pacífica de Estados falidos e bandidos, abertura econômica e interação política. Afinal,
Os EUA são parte de um ambiente internacional dinâmico, no qual diferentes nações exercem gramde influência e avançar nossos interesses vai demandar expandir as esferas de cooperação por todo o mundo. Algumas relações bilaterais- como as norte-americanas com a China, a Índia e a Rússia- serão críticas para moldar esta cooperação mais abrangente em áreas de interesse mútuo. E em todas as regiões do mundo, os poderes emergentes do mundo estão em processo de afirmação, elevando as oportunidades de parceria (…) A liderança do Brasil é be, vinda e buscamos nir além das ultrapassadas divisões Norte-Sul para progredir em questões bilaterais, hemisféricas e globais. (NSS, 2010)
Cercada de promessas, esta NSS-2010 chocou-se com a realidade de uma nação ainda em crise e fragmentada por disputas domésticas entre seus moderados e radicais de ambos os partidos, em meio à lenta recuperação econômica. Além disso, a NSS-2010 foi confrontada por práticas internacionais opostas ao seu discurso e retórica. Dois episódios, quase simultâneos a sua divulgação ilustraram este descompasso: a crise da Faixa de Gaza e o apoio a ações de repressão de Israel neste território, em detrimento da promessa de equilíbrio na NSS, e a busca de sanções unilaterais e no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSONU) contra o programa nuclear do Irã, na sequência da conclusão do Acordo Tripartite Brasil-Turquia-Irã sobre o mesmo tema, a despeito das promessas de maior legitimação às ações de potências regionais emergentes. As pressões de grupos de interesses e comportamentos tradicionais em temas de elevado peso na agenda norte-americana sobrepuseram-se à nova grande estratégia.
Independente destes fatos, a NSS-2010 deve ser examinada como parte de um debate contínuo sobre o papel e prioridades da hegemonia dos EUA que, desde 1989, entra agora em sua terceira versão pós-contenção. Seria a NSS de Obama uma solução mais duradoura que suas antecessoras, o Engajamento & Expansão (E&E, 1994) de Bill Clinton e a Doutrina Preventiva (2002) de George W. Bush?
As Linhas Gerais do Debate (1989/2000)
A ascensão hegemônica dos EUA corresponde à elaboração da primeira grande estratégia com perfil internacionalista multilateral. Ainda que normalmente associe-se esta estratégia somente à política de contenção da URSS e do comunismo no contexto da Guerra Fria (1947/1989), seus componentes englobam uma visão específica de liderança e ordem. Desenvolvida ao longo da Segunda Guerra Mundial, com origens que remontam ao Idealismo Wilsoniano de 1918, surgindo no encerramento do primeiro conflito mundial, esta visão atribuía aos EUA um papel central na administração dos fluxos econômicos, políticos, estratégicos e diplomáticos do sistema, e que derivava de sua concentração de recursos nestes campos.
Com base em uma perspectiva liberal, a ordem global, e a hegemonia dos EUA, definida como “benigna e especial”, sustentam-se na cooperação, na democracia e na segurança compartilhada. Este padrão desenrola-se por meio de organizações internacionais governamentais (OIGs) que funcionam como facilitadoras do multilateralismo, gerando interdependência entre os Estados, a autorestrição estratégica do poder hegemônico norte-americano e espaço do exercício da democracia. Para esta hegemonia interpenetrada (IKENBERRY, 2006), o poder militar seria uma dimensão de sustentação de sua influência, mas não a única, com o exercício de poder dependendo de três pilares: o estrutural, o institucional e o ideológico, que, na classificação de Nye Jr (2002) correspondem aos poderes duro, brando e de cooptação (hard, soft and cooptive power). Diante de seus “clientes”, “parceiros”, “dominados”, a hegemonia dos EUA era percebida como um fato, uma relação de dominação real, mas que, ao mesmo tempo, fornecia certa segurança em teatros estratégicos militares e benefícios advindos da cooperação, fornecendo ao país a imagem de “jogador honesto” e “mantenedor do equilíbrio”.
Em sua emergência e consolidação, este padrão quebrou duas vertentes que dominavam a política internacional e a agenda dos EUA. A primeira vertente corresponde ao que ficou conhecido como “visão européia das relações internacionais”, que dominara o cenário mundial no período de formação destes Estados nacionais, passando pelas guerras continentais e o equilíbrio de poder, culminando nos dois confrontos mundiais, no período do século XVII ao XX. A segunda vertente corresponde à tradição unilateral, desenvolvida no nascimento da República no século XVIII, para a preservação da soberania e da autonomia, e a separação das esferas do novo (América) e do velho (Europa) mundo.
Sintetizada nas palavras do Presidente George Washington “sem alianças permanentes”, os EUA visavam uma total independência de escolha, com um engajamento internacional limitado aos interesses nacionais, à disseminação do modelo pelo exemplo e a atuação como país normal. Esta postura, muitas vezes associada ao isolacionismo não deve ser confundida como uma não-participação nos negócios externos, devendo ser entendida como intervenções periódicas.
A combinação construção da ordem e contenção inseriu um diferencial em ambos estes paradigmas, que se tornou dominante para o mundo e a política externa dos EUA. No âmbito doméstico, a prioridade da contenção da ameaça soviética gerou o consenso necessário para a projeção hegemônica, que estivera ausente quando o projeto similar do wilsonianismo fora lançado. A instrumentalização do inimigo foi essencial para o projeto de construção da ordem, i.e, o exercício da hegemonia, interligando três prioridades na grande estratégia: a contenção da URSS, a contenção do comunismo e a disseminação do liberalismo político e econômico.
O sucesso da política de contenção e da expansão da ordem, aliado a outros fatores internos de enfraquecimento do sistema soviético, levaram ao fim da Guerra Fria e ao esgotamento da grande estratégia em 1989. A expectativa, porém, era de que a hegemonia conseguiria atualizar-se rapidamente. A reforma do Internacionalismo Multilateral, e a sustentabilidade e estabilidade da ordem a ela associadas, surgiram como normais diante do que fora definido como “Fim da História” e “Nova Ordem Mundial” (PECEQUILO, 2009).
A não elaboração de uma nova grande estratégia imediatamente após a contenção demonstrou a existência de fissuras internas ao debate norte-americano, representativas de suas transformações sócio-político-econômicas. Apesar de seu predomínio e sucesso, o Internacionalismo Multilateral passou a ser confrontado por duas correntes distintas, mas características da política externa dos EUA pré-1945: o Internacionalismo Unilateral e o Isolacionismo, ligadas à direita conservadora.
O Isolacionismo, disseminado entre os defensores da agenda da “América Primeiro” pedia um completo desengajamento do sistema. Por sua vez, o Internacionalismo Unilateral, defendia a retomada do padrão de Washington, visando recuperar a margem de manobra perdida durante toda a Guerra Fria devido ao domínio das OIGs. Para esta corrente, as OIGs funcionavam como elementos de restrição ao exercício do poder norte-americano que, encerrada a bipolaridade, encontrava-se no seu auge. A derrota da URSS e o status de superpotência restante deveriam ser aproveitados para a expansão dos interesses norte-americanos.
Enquanto os Isolacionistas viam o pós-Guerra Fria como uma era de crise do poder, os Unilateralistas caminhavam no sentido oposto: o da prosperidade e unipolaridade. Ainda que compartilhassem com os Isolacionistas certos temas da agenda doméstica como as críticas ao liberalismo moral, à imigração e o poder crescente das minoriais, os Unilateralistas percebiam o mundo pelo prisma do “Momento Unipolar”, defendendo não o recuo, mas a expansão hegemônica. Tal expansão dar-se-ia às custas, entretanto, da desconstrução de suas estruturas originais de 1945.
Em contrapartida, os Multilateralistas defendiam ajustes na hegemonia. A reforma defendia o aproveitamento dos “dividendos” da Guerra Fria, principalmente a força do modelo, para diminuir custos da ação externa e expandir sua influência e mercados, assim como para administar tendências de multipolaridade que já se desenhavam no início dos anos 1990 com a ascensão do Japão, da China e da Europa Ocidental como pólos alternativos. Este debate era entremeado pelas discussões declinistas e renovacionistas, que emergira na crise econômica dos anos 1980 devido às políticas da administração Reagan (1981/1988).
O multilateralismo e unilateralismo passaram a disputar espaço, o que resultou nas oscilações das três grandes estratégias apresentadas. O primeiro grande embate ocorreu em 1992 quando, ainda na Presidência republicana Bush pai, foi divulgado o conteudo do Defense Planning Guidance (DPG) que, uma década depois, seria recuperado na Doutrina Bush. Dentre seus formuladores, nomes como os de Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz, que se tornariam chave em 2001. O DPG defendia o exercício pleno da supremacia militar, a expansão geográfica para a Eurásia e a contenção da ascensão de quaisquer potências regionais no sistema. Vazado à imprensa e depois abafado, o DPG centrava-se nos princípios da unipolaridade e unilateralismo, valorizando o poder militar. As OIGs, canais de exercício da dominação hegemônica eram relegadas a segundo plano. Apesar de não adotar o DPG, Bush pai não formulou sua grande estratégia, dando apenas continuidade à reforma do Internacionalismo Multilateral, que foi definida como “Status Quo Plus”.
O debate prosseguiu na administração democrata, de Bill Clinton (1993/2000), e a elaboração da primeira nova grande estratégia do período pós-Guerra Fria, o E&E. Baseada em uma visão geopolítica e geoeconômica, o E&E tinha como prioridade a consolidação do liberalismo. Neste processo, os EUA precisariam contar cada vez mais com a participação de seus aliados e OIGs, uma vez que o mundo e o país haviam mudado, demandando um maior compartilhamento de responsabilidades, tarefas e diminuição do ônus para os norte-americanos. Neste cenário, seriam inimigos os Estados que não participassem deste núcleo democrático e compartilhassem seus valores, sendo separados em nações bandidas e falidas que seriam incentivadas política e economicamente a mudar seu regime. Ao E&E contrapunha-se a mesma agenda do DPG, mas agora sob a forma do PNAC (Project for the New American Century), que deram forma ao Internacionalismo Diferenciado de W. Bush na campanha eleitoral de 2000.
Apesar da recuperação e sucessos, as transformações sócio-econômicas domésticas acentuaram as fragmentações do país, com impactos sobre a formulação de políticas e decisão. O processo de encolhimento do grupo dominante WASP (branco, saxão e anglo-protestante) diante das minorias negra e hispânica tornou-se mais acentuado. Para o ciclo 2010/2020, a previsão do censo populacional é que esta minoria converta-se em maioria, somado a um empobrecimento crescente da população, a acentuação das diferenças entre classes sociais, a desindustrialização e o declínio de padrões de bem-estar, que colocam em xeque o modo de vida norte-americano.
Gerou-se espaço para uma radicalização e polarização de posições, simbolizada pelo resultado eleitoral de 2000, quando os candidatos Gore e W. Bush conquistaram, cada um, 50% dos votos populares (o Senado ficou dividido igualmente em 50 cadeiras para cada partido). Independente de contestada, a vitória coube a Bush filho, que assumiu em 2001, acentuando o que muitos analistas chamaram de “política disfuncional de Washington” (ZAKARIA, 2008) durante seus dois mandatos.
Comum ao debate norte-americano, este distanciamento do mundo real e do político de DC é discutível, à medida que o perfil do Executivo e do Legislativo são definidos por pleitos populares. Os resultados das eleições refletem o cotidiano da sociedade, sua fragmentação entre grupos de interesses e a disputa pela hegemonia interna que se acentuou na última década, uma vez que nenhum dos partidos tem conseguido impor-se sobre outro. Na realidade, os partidos majoritários republicano e democrata enfrentam cisões internas. As linhas inter e intrapartidárias encontram-se indefinidas, reflexo da sociedade, e de sua crise de paradigmas sociais, econômicos e valorativos, fazendo com que os consensos sejam breves, atrelados a fatores conjunturais, como os episódios de 11/09/2001 e a eleição de Barack Obama em 2008.
Desconstrução e Refundação Hegemônica (2001/2010)
A discordância com relação ao comportamento tático da liderança que dominou o pós-Guerra Fria em sua primeira década, estendeu-se ao período seguinte, alternando-se as hipóteses de declínio e renovação. O 11/09 representou um elemento de quebra neste debate, ao gerar um consenso artificial em torno das políticas neoconservadoras depois da perda da invulnerabilidade do território continental.
O terrorismo transnacional fundamentalista islâmico tornou-se objeto de extensa manipulação do Executivo norte-americano e outros países ocidentais, favorecendo a ascensão de linhas políticas conservadoras e controles à democracia. Em contextos pré-11/09, estes movimentos eram definidos como de censura, afronta a liberdade, desrespeito aos direitos civis e xenófobos. Pós 11/09 tornaram-se políticas vistas como necessárias ao combate do inimigo, seguindo retórica similar a da Guerra Fria, independente dos custos que estas ações tinham sobre a democracia. Autores como Halliday (2002) alertavam para esta tendência, demonstrando a fragilidade do inimigo autoconstruído, que correspondia a uma demanda de forças internas destas sociedades. Tanto que estas tendências extrapolaram, em tempo e espaço, o 11/09, estendendo-se a discussões como a proibição do uso de símbolos religiosos em espaços públicos (com foco no véu islâmico, vide o exemplo da França), o banimento da construção de minaretes na Suíça, a ascensão da direita xenófoba, a repressão à imigração ilegal.
Nos EUA, este contexto permitiu aos neoconservadores dominar a iniciativa política, consubstanciado no Ato Patriota, nos memorandos da tortura e na edição da grande estratégia de 2002, a Doutrina Bush. Definida como uma “revolução”, a doutrina é produto da evolução do pensamento neocon acrescido de um componente de justificação: o terrorismo transnacional fundamentalista islâmico. Portanto, ainda que não seja produto direto dos ataques de 2001, a NSS de Bush, a segunda grande estratégia do pós-Guerra Fria não pode ser desvinculada deste evento, e, como as medidas internas, sustentou-se no silêncio da maioria movida pelo medo.
O que mais chama a atenção nesta Doutrina é a retomada do padrão de Washington, seu distanciamento das OIGs e sua “modernização” pela inserção do componente preventivo, cujo legado é a Guerra do Iraque (2003). Subjacente a este elemento preventivo encontra-se o projeto maior de reposicionamento estratégico dos neocons no mundo, iniciado com a Guerra no Afeganistão no âmbito da GWT, deflagrada pelo 11/09. Não cabe aqui entrar em detalhes destas guerras, mas sim examinar suas consequências gerais, assim como da NSS-2002.
A NSS consolidou um processo de desconstrução hegemônica em nome do unilateralismo, que minou as OIGs e a legitimidade dos EUA. Pressionados, os demais Estados que avaliavam a hegemonia como tolerável devido ao funcionamento da rede multilateral e da autocontenção estratégica da superpotência responderam de forma tradicional: os mais ameaçados por intervenções preventivas, que haviam sido incluídos como Estados bandidos ou falidos, ou no Eixo do Mal que antecedeu a NSS em Janeiro do mesmo 2002, como Irã e Coréia do Norte aceleraram mecanismos de políticas defensivas e de barganha, representados por seus programas nucleares; os demais “inimigos” como Venezuela, Cuba, Síria, intensificaram alianças alternativas e discursos; os aliados buscaram coalizões de geometria variável nas OIGs, como a OCX (Organização de Cooperação de Xangai), o Fórum de Diálogo IBAS (Índia, Brasil, África do Sul), os G20 comercial e financeiro, dentre outras iniciativas que foram denominadas como soft balancing. A hegemonia passou a ser percebida como um elemento de desordem.
As duas guerras e a agenda dos EUA acentuaram o isolamento e a superextensão imperial, um dos elementos que ajudou na disseminação da crise financeira de 2008. Tais tendências haviam sido percebidas pela administração no período pós-reeleição (2005), resultando em ajustes tentativos que somente se consolidariam a partir de 2006 quando os democratas recuperam a maioria no Legislativo, quebrando o artifical consenso do medo vigente desde 11/09. Esta quebra deveu-se a três fatores: ao esvaziamento da percepção de novos ataques terroristas, ao prolongamento das guerras no Oriente Médio e ao surgimento de um novo sentimento de insegurança relacionado à crise econômica.
A responsável por estes ajustes foi Condoleeza Rice à frente do Departamento de Estado, em substituição a Collin Powell. Antes defendendo posições fechadas com o restante do núcleo neoconservador (Rumsfeld, Cheney, Wolfowitz) quando no Conselho de Segurança Nacional, Rice matizou a agenda agressiva do unilateralismo e do unipolarismo. Mesmo sem abandonar a NSS, Rice introduziu temas como “diplomacia transformacional”, “multilateralismo assertivo, assim sustentando a visão multipolar e multilateral,
investir em poderes emergentes e fortes como stakeholders pela ordem internacional e apoiar o desenvolvimento democrático de Estados fracos e governados com dificuldades são objetivos de política externa que são certamente ambiciosos e levantam uma questão óbvia: estão os EUA prontos para o desafio, ou como alguns temam e afirmam atualmente, são os EUA uma nação em declínio? (…) Moldar o mundo será o trabalho de uma geração, mas já fizemos este trabalho antes. E se continuarmos confiantes no poder de nossos valores, teremos sucesso nesta tarefa novamente. (RICE, 2008)
Nas eleições de 2008, a postura que Rice definira como um “Realismo Americano Único” foi incorporada por ambos os candidatos majoritários, o republicano John McCain e o democrata Barack Obama, com ênfase para este último. Focando nos temas da esperança, reconciliação e mudança, Obama defendeu a reavaliação do envolvimento militar dos EUA, definindo respectivamente as Guerras do Afeganistão e do Iraque como a “guerra da necessidade” e a “guerra de escolha”. Ao chegar a Casa Branca, a estes pilares acresceu a retirada do Iraque até 2011, o aumento de tropas no Afeganistão, a revisão da GWT e a retomada do multilateralismo.
Em 2009, o Presidente ganhou o Prêmio Nobel da Paz, mesmo sem o lançamento da nova grande estratégia, precedida por uma limpeza da agenda da ação externa de Bush, um discurso positivo de parceria e a defesa do “poder inteligente” (smart power) de Nye Jr. No campo interno, os novos contratos sociais, com a recuperação da democracia, a reforma econômica e do bem estar e a atualização dos paradigmas produtivos e sociais do país foram trazidos à Casa Branca. Nestes setores, os fundamentos da agenda encontram-se em andamento, mas com menor alcance do que o desejado devido às resistências internas.
Além de contar com deserções democratas, os projetos de Obama não obtiveram votos republicanos, mesmo dos moderados. A direita neoconservadora manteve, e mantém, pesada ofensiva contra a Casa Branca, resultante da permanência das fragmentações aqui citadas. Não pode se compreender nem a reforma de saúde ou esta progressista NSS-2010 como produto de uma perspectiva bipartidária: assim como 11/09 gerou um consenso em torno de Bush, a crise econômica gerou um consenso em torno de Barack Obama em 2008. Adicionalmente, apesar de seu viés avançado, a NSS-2010 retoma temas do E&E como multilateralismo, multipolarismo e transnacionalização que, caso não tivessem sido “cortados” pela NSS-2002 poderiam já ter gerado um novo padrão hegemônico para os EUA em cenário complexo, globalizado e caracterizado pela desconcentração de poder.
A expectativa era que dada a gravidade da crise, e à disposição de Obama em promover a reconciliação e reformas, que este consenso conjuntural, servisse de base para algo duradouro. Mesmo antes da posse, esta possibilidade foi se demonstrando difícil. Como o E&E, a NSS-2010 poderá sucumbir à realidade de um país fragmentado. Assim, o primeiro ano de Obama foi um de defesa de posições e não de avanço de agenda. Pode-se alegar que o legado da administração Bush filho foi o principal empecilho para que se conseguissem bons resultados em 2009. Mas também é real que muitas das medidas anunciadas após a posse ficaram no meio do caminho ou se sustentaram em discursos genéricos de boas intenções, que facilitaram o contra-ataque da oposição.
Em Novembro de 2010, o projeto de refundação hegemônica e novos contratos enfrentará seu primeiro teste nas eleições legislativas de meio de mandato. Em Julho de 2010, as pesquisas de opinião apontam a existência do risco de real de perda da maioria democrata em pelo menos uma das casas. Com isso, parece preservar-se o ciclo de oscilações e polarizações existente desde o fim da Guerra Fria. Em duas décadas este ciclo, já resultou em mais uma depressão econômica e três grandes estratégias, permanecendo em aberto qual será a opção da América, a da regressão ou a da reinvenção progressista.
Referências Bibliográficas
- CHOLLET, Derek and GOLDGEIR, James. America between the wars- From 11/09 to 9/11. New York: Public Affairs. 2008
- HALLIDAY, Fred. Two hours that shook the world. London: Al Saqi. 2002
- IKENBERRY, G.John. Liberal order & Imperial ambition. Cambridge: Polity, 2006
- LEFFLER, Melvyn and LEGRO, Jeffrey. To lead the world: American strategy after the Bush doctrine. NY: OUP, 2008National Security Strategy, 1994, 2002, 2010. The White House
- PECEQUILO, Cristina Soreanu. A Política Externa dos EUA: Continuidadeou Mudança?. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005, 2aed ampliada e atualizada.
- PECEQUILO, Cristina Soreanu. Manual do Candidato- Política Internacional. Brasília:Ed. FUNAG. 2009
- RICE, Condoleezza. “Rethinking the national interest- American realism for a new world”.Disponível em: http://www.foreignaffairs.org/20080701faessay87401/condoleezza-rice/rethinking-the-national-interest.html
- ZAKARIA, Fareed. The post American world. NY: WW Norton, 2008.
Cristina Soreanu Pecequilo é Professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus Marília), e Pesquisadora Associada ao Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS ([email protected]).
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