O Lobby de Israel e o primeiro ano da administração Obama, por Luiza Rodrigues Mateo

Este artigo tem como marco teórico a reflexão de Stephen Walt e John Mearsheimer sobre o Lobby de Israel, tanto em seu artigo seminal de 2006 como no livro “The Israel Lobby and U.S. Foreign Policy” (2007), e a grande polêmica desencadeada sobre a influência de organizações e intelectuais pró-Israel na formulação da política externa dos Estados Unidos (EUA), sobretudo para o Oriente Médio. O foco do artigo consistiu na sistematização do pensamento dos autores neo-realistas sobre a questão do Lobby na atual administração norte-americana. Pretende-se, em primeira instância, definir o que Walt e Mearsheimer chamam de Lobby de Israel, delimitando seus atores, sua metodologia e sua incidência sobre a recente política internacional norte-americana. Num segundo momento, o foco será apurar a atualidade dos argumentos de Walt e Mearsheimer para o quadro de relações entre EUA e Israel a partir de 2009. Ou seja, rastrear como ambos avaliam a estratégia de Barack Obama para a Agenda de “dois Estados” no conflito entre Israel e Palestina, a reação do Lobby à retórica oficial de Obama, Hillary Clinton e George Mitchell[1], e a incidência do mesmo sobre um Capitólio com maioria Democrata.

Note-se que a transição de Bush para Obama representou a queda para o segundo plano de grupos políticos tradicionalmente ligados à causa israelense, como os neoconservadores e a Direita Cristã. Por outro lado, a administração democrata já em seu início sofre corrosão do seu capital político, em decorrência de fatores críticos como a crise financeira (e o maior índice de desemprego das últimas décadas) e conflito de interesses em torno da Agenda doméstica (a reforma no sistema de saúde e futuramente o sistema fiscal e a política migratória). Mais interessante para os fins aqui almejados, no plano externo as pressões sobre o presidente Obama foram catalisadas justamente pela situação do Oriente Médio, devido à presença prolongada das tropas americanas no Iraque e Afeganistão, à ameaça nuclear no Irã de Ahmadinejad, e à própria irresolução da situação palestina. Estes tópicos certamente virão à tona nas eleições que renovarão parte do Congresso americano no segundo semestre de 2010.

ENTENDENDO O LOBBY DE ISRAEL

Os EUA tiveram notável importância na formação do Estado de Israel em 1948, com grande apoio da administração Truman. Seguiram, porém, desengajados na década posterior e voltaram à cena como “responsáveis pela evacuação da península do Sinai em 1957, modificaram sua percepção da influência de Israel após os eventos de 1958, quase evitaram a guerra em 1967 e se tornaram o principal aliado israelense na disputa com os países árabes alinhados com a União Soviética.” (FELDBERG, 2008, p. 21) A politização do movimento pan-arabista promovida pela liderança egípcia de Nasser teria unido, na visão americana, as pautas do Oriente Médio e da Guerra Fria, pois a região passa a compor parcela da estratégia de contenção.

Desde 1973, o apoio americano a Israel deriva do entendimento de que a vulnerabilidade deste frente ao conturbado Oriente Médio poderia levar à utilização do arsenal nuclear israelense. Os EUA passam, então, a fornecer regularmente armas, e seu respectivo financiamento, para o Estado judeu. Após o arrefecimento das tensões bipolares, os EUA voltam à região no início dos anos 90 para expulsar o Iraque do Kuwait. Além de fazer parte de coalizão multinacional, os EUA exerceram forte pressão para que Israel não retaliasse as provocações iraquianas, adentrando na Guerra do Golfo e possivelmente desequilibrando a então situação de alianças. Para Samuel Feldberg (2008, p.22), Israel teria ocupado papel secundário para a política externa americana, mesmo durante a Guerra Fria, já que este não se convertera em repositório para equipamentos militares ou servira à construção de bases americanas em seu território. Tony Judt, por outro lado, afirma que Israel teria cumprido, ao longo das últimas décadas, diferentes estágios na programação estratégica dos EUA.

Quando da criação do Estado judeu, no pós Segunda Guerra Mundial, a memória do holocausto arrebatou grande simpatia popular norte-americana, o que se soma à percepção, durante a Guerra Fria, de que Israel era um aliado indispensável no equilíbrio de poder no Oriente Médio. Com o fim da ameaça comunista e a ascensão de outros pólos de poder, principalmente econômico, o peso estratégico migra para regiões como a Ásia. Por fim, o intrincado cenário atual traz a relação especial entre EUA e Israel como um entrave às relações internacionais norte-americanas, minando o diálogo com blocos importantes, como as comunidades árabe e mulçumana, e portanto a própria legitimidade da liderança dos EUA. (JUDT, 2006)

Em seu artigo seminal, Walt e Mearsheimer (2006) definem a relação EUA-Israel como central para a política norte-americana no Oriente Médio. A atuação do Lobby de Israel constrói a percepção de que os interesses estratégicos entre os dois Estados são idênticos, e de que os valores compartilhados fazem da relação EUA-Israel a “mais especial de todas” e uma “relação de família da política internacional”. Sendo o maior destino da ajuda externa americana, Israel receberia cerca de US$3 bilhões em parcela única no início do ano fiscal, sem necessidade de prestar contas e com afrouxamento das condicionantes para gastos militares. O apoio diplomático permanente se percebe pelos vetos a causas prejudiciais a Tel Aviv no Conselho de Segurança da ONU. Muitos seriam os canais de expressão da política pró-israelense direcionada por uma frouxa coalizão de indivíduos e organizações que compõe o Lobby. Dentre estes se destacam o American-Israel Public Affairs Committee (Aipac), o Washington Institute for Near Est Policy (Winep), neoconservadores, cristãos evangélicos e sionistas cristãos[2].

O Lobby de Israel não seria diferente de outros lobbies, como o da agricultura, do tabaco ou mesmo lobbies étnicos. Os meios de influência envolvem: pressão sobre o Congresso e o Executivo, a mobilização de eleitores e doação de dinheiro para campanhas de candidatos pró-Israel, formação de quadros políticos e atuação em campi universitários, think tanks como o Winep[3], controle da opinião pública e da mídia, coordenação com lideranças israelenses e pronta resposta às críticas em relação a Israel (através, por exemplo, de campanhas de redação de cartas e manifestações públicas).

Dentre outros mecanismos de coação pública, Walt e Mearsheimer destacam a acusação de anti-semitismo como importante ferramenta para calar os opositores do Lobby e direcionar o discurso oficial para seu lado. A influência do Aipac no Executivo, por sua vez, se deve ao relevante papel do eleitorado judeu e de suas doações em campanhas presidenciais, que podem chegar a somar 60% do orçamento para ambos os partidos. A equação se repete no segundo escalão: “[…] qualquer aspirante a um cargo no governo é encorajado a se tornar um franco apoiador de Israel.” (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.53) Segundo Daniel Pipes, o conflito árabe-israelense tem grande peso eleitoral e ajuda a definir ideologicamente os partidos, ainda que a história aponte para distintos padrões.

De 1948-70, a simpatia por Israel coube aos Democratas (ênfase nos laços culturais) e os Republicanos tendiam a desprezar o Estado fraco e com pequeno potencial estratégico. No pós Guerra dos Seis dias, Israel passa ao patamar de potência militar e aliado proveitoso, e a simpatia republicana cresce nas décadas de 70 e 80. Ao final da Guerra Fria, o alinhamento político e religioso entre Israel e o Partido Republicano se aprofunda, e a causa palestina fica a isolada como uma bandeira das esquerdas. Este panorama é ilustrado por pesquisa do Gallup segundo o qual 72% dos republicanos e 47% dos democratas simpatizam mais com os israelenses do que com os árabes palestinos. (PIPES, 2006)

Na administração Clinton houve um predomínio de apoiadores a Israel, dentre eles Martin Indyk, Dennis Ross e Aaron Miller, situação anda mais pronunciada com a equipe de W. Bush, com Elliot Abrams, John Bolton, Douglas Feith, “Scooter” Libby, Richard Perle, Paul Wolfowitz e David Wurmser. Estes teriam sustentado a política externa dos EUA para o Oriente Médio (Iraque, Síria e Irã), exercendo fator “decisivo” no ataque ao país de Saddam Hussein em 2003, por deduzirem que potencial militar não-convencional do Iraque ameaçava Israel e os EUA. (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.63) A própria inteligência israelense teria ajudado na elaboração dos relatórios sobre o arsenal iraquiano, engrossando a antiga pressão[4] pelo endurecimento dos EUA com seus rivais árabes na região.

“Dada a dedicação dos neoconservadores a Israel, sua obsessão com o Iraque e sua influência no governo Bush, não é de surpreender que muitos americanos suspeitassem que a guerra tinha por objetivo promover os interesses israelenses.” (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.67) Após a queda de Saddam, as aspirações israelenses são direcionadas à pressão norte-americana sobre Damasco, além do tradicional temor em relação ao Irã eminentemente nuclear. O coro foi reforçado internamente pelo Lobby e pelos neoconservadores.

Walt e Mearsheimer, representantes da escola neo-realista das Relações Internacionais, assumem postura crítica à manipulação exercida pelo Lobby, justamente porque este distancia a política externa de Washington, pelo menos aquela direcionada ao Oriente Médio, dos interesses nacionais dos EUA. Por exemplo, Israel não seria, para os autores, um aliado viável na guerra ao terror, mas um empecilho – “o apoio incondicional dos EUA a Israel torna mais fácil aos extremistas obter apoio popular e atrair recrutas.” (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.46)

Os EUA, ao apoiarem a expansão dos israelenses nos Territórios Ocupados, se apartam de seus valores[5] e retardam o desfecho do conflito israelense-palestino. Da mesma forma, a ligação irrestrita entre EUA e Israel obliteraria a perseguição dos interesses nacionais de Tel Aviv: “Até Israel estaria provavelmente melhor se o Lobby fosse menos poderoso e a política externa dos Estados Unidos mais imparcial.” (WALT e MEARSHEIMER, 2006, p.73) “America’s “special relationship” with Israel has insulated the latter from the consequences of its own follies.” (WALT, 2010b)

RELAÇÕES EUA-ISRAEL NO GOVERNO OBAMA

Conforme introduzido anteriormente, esta seção tratará dos principais acontecimentos envolvendo EUA e Israel a partir de 2009, sob a perspectiva de John Mearsheimer e Stephen Walt[6]. Em sua eleição, o candidato democrata recebeu grande apoio do eleitorado judeu, do qual obteve 78% dos votos, representando a demanda por uma nova relação com Israel. (FINGUERUT, 2009, p.31) Do outro lado do Atlântico, o eixo conservador que atualmente lidera a política israelense desencadeou, como ficará explicito nas páginas seguintes, um retrocesso nas negociações pela paz com a Palestina, principalmente depois de repetidas manifestações de continuidade na política de construção de casas nos Territórios Ocupados.

Para Mearsheimer (2009a), o Lobby de Israel continuou exercendo grande influência na gestão Obama, o que se exemplifica pela derrocada da indicação de Charles Freeman par o National Intelligence Council. Freeman tem sólida carreira como funcionário público, há mais de trinta anos servindo como oficial do Departamento de Defesa e diplomata, mas se pronunciara contrário à “relação especial” entre EUA e Israel. A indicação acarretou dura crítica de Steven Rosen (membro do Aipac) e atuação tradicional do Lobby no Capitólio, culminando na sua renúncia ao cargo.

All the Republican members of the Senate Intelligence Committee came out against Freeman, as did key Senate Democrats such as Joseph Lieberman and Charles Schumer. […] It was the same story in the House, where the charge was led by Republican Mark Kirk and Democrat Steve Israel, who pushed Blair to initiate a formal investigation of Freeman’s finances. In the end, the Speaker of the House, Nancy Pelosi, declared the Freeman appointment ‘beyond the pale’. (MEARSHEIMER, 2009)

A relação com Israel seguiria como tabu para aqueles que pleiteiam um cargo público, principalmente na política externa americana. Um dos motivos é a importância da comunidade judaica enquanto bloco financiador e ativo participante do processo eleitoral. “Barack Obama’s pandering to the Israel lobby during the campaign and his silence during the Gaza War show that this is one opponent he is not willing to challenge.” (MEARSHEIMER, 2010)

Dentre outras, cabe ressaltar a polêmica da “dupla lealdade”, que veio à tona no âmbito do pró-sionismo quando Dennis Ross, acessor de Hillary Clinton para o Golfo Pérsico, se declarou “[…] far more sensitive to Netanyahu’s coalition politics than to U.S. interests.” Para Walt, a identidade americana, definida sobretudo como um melting pot, acomoda múltiplas lealdades (inclusive aquelas ligadas a grupos étnicos). Dirige sua crítica para a projeção do conflito de interesses vinculados a uma lealdade sobre o exercício da gestão pública, o que prejudicaria a perseguição dos interesses nacionais. (WALT, 2010c)

Após pender para o Lobby durante a campanha em 2008 e ter permanecido calado diante do caso Freeman, com o passar do tempo Obama dá alguns sinais de mudança. Como exemplos, é possível citar: a indicação George Mitchell como enviado especial para o Oriente Médio, o pouco caso com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, que atrasou seu retorno a Israel porque o presidente não pode encontrá-lo durante a reunião do Aipac, e a valorização do mundo mulçumano na Agenda americana. “Obama has already spoken in one Muslim country (Turkey) and is about to give a major address to the Muslim world from Cairo, after first stopping off in Saudi Arabia, and isn’t touching down in Israel on this tour.” (WALT, 2009a)

Para Walt, estes são apenas marcadores pontuais que, de forma alguma, abalam o argumento de seu livro sobre a influência do Lobby de Israel na política externa americana para o Oriente Médio. Apesar de Obama ter esquentado os termômetros em Washington com a insistente defesa da “solução de dois Estados” para o caso Israel-Palestina, o Lobby seguiria com ampla influência no Capitólio. Muitos manifestos em favor de Israel continuaram sendo aprovados no Congresso, e com grande margem de folga – “a recent AIPAC-sponsored “Dear Colleague” letter telling Obama to privately coordinate his Mideast diplomacy with Israel (and proposing various conditions on the Palestinians) garnered 76 signatures in the Senate and 329 in the House.” (WALT, 2009a)

Em 16 de julho de 2009 a reunião de Obama com o Lobby de Israel (leia-se o Aipac), marcou mudanças sutis no discurso de Obama, que indica a dissociação entre os interesses de Washington e Tel Aviv, e a urgência de resolver a questão Palestina, adiantando que irá pressionar os dois lados. Em reação à abordagem “linha dura” do Lobby, o presidente denotaria o estremecimento da relação siamesa entre os países:

ADL [Anti-Defamation League] head Abraham Foxman complained before the meeting that “What troubles me most is a lack of consultation and the need [for the administration] to do things publicly. There’s a [U.S.-Israel] relationship of 60 years and all of a sudden they’re treating Israel like everyone else. I find that disturbing.” In the same vein, Malcolm Hoenlein of the President’s Conference reportedly told Obama at the meeting that differences between the U.S. and Israel should be kept private, and that progress toward peace had only occurred when there was “no daylight” between American and Israeli leaders. (WALT, 2009b)

Embora sejam minoritários, alguns grupos considerados a “ala esquerda do Lobby” dão suporte à posição oficial de “solução de dois Estados”, como o J Street e o Americans for Peace Now. A resolução da questão Palestina aparece como central na geopolítica do Oriente Médio, sem a qual os EUA não poderiam reverter o anti-americanismo crescente no mundo mulçumano (peça central para contenção do terrorismo), e concentrar forças no problema do projeto nuclear Iraniano.

A two-state solution wouldn’t solve all U.S. challenges in the region, but it would make it easier to address most of them. It is also the best guarantee of Israel’s long-term future.” (WALT, 2010e) No entanto, os esforços da administração Obama são apenas retóricos e indiretos. Não se pode vislumbrar, no momento, uma mesa de discussão cuja pauta contemple: as fronteiras da Palestina, a situação de Jerusalém Ocidental[7], refugiados e a remoção de 300.000 israelenses que estão vivendo para além das fronteiras de 1967.

O próprio presidente, em entrevista para a Time, em comemoração ao primeiro ano de sua gestão, reconhece que os esforços pelo diálogo entre Israel e Palestina estavam aquém do desejado. Nas palavras de Barack Obama: “[…] both sides - the Israelis and the Palestinians - have found that the political environment, the nature of their coalitions or the divisions within their societies, were such that it was very hard for them to start engaging in a meaningful conversation”. (KLEIN, 2010b, p.6)

Para Walt, os EUA estão longe de avançar na realização da proposta de “dois Estados”, e as únicas alternativas a esta seriam “[…] the ethnic cleansing of millions of Palestinians, the creation of a binational democracy, or some form of apartheid.” Obama exerce leve pressão sobre Israel e nunca considerou seriamente frear a política de construção de novas casas, denunciando-a como ilegal perante organismos internacionais ou vinculando sua ajuda externa americana. A inação abala a reputação internacional americana e, portanto, seu potencial de influência, o que só alimentaria a escalada terrorista.

As Israel increasingly becomes an apartheid state, its international legitimacy will face a growing challenge. Iran’s ability to exploit the Palestinian cause will be strengthened, and pro-American regimes in Egypt, Jordan, and elsewhere will be further weakened by their impotence and by their intimate association with the United States. It might even help give al Qaeda a new lease on life, at least in some places. (WALT, 2010a)

Prova disso se deu quando o vice-presidente Joe Biden (conhecido por sua simpatia pelo Estado judeu) foi visitar o governo de Tel Aviv, em março de 2010. Em gesto nada amigável, o Ministro do Interior de Israel anunciou a construção de mais 1.600 casas em Jerusalém Oriental, pegando Biden e (supostamente) o próprio Netanyahu de surpresa. Ainda em novembro, o governo tinha aprovado a construção de 900 casas na região e, segundo o jornal israelense Há’aretz, este é apenas o início, já que o plano envolve 50.000 casas nos próximos anos.

Estas atitudes só comprovam que o governo de Israel nem considera a formalização de um Estado Palestino em seu horizonte:

Netanyahu’s speech at Bar Ilan University last June (which marked the first time he uttered the phrase “Palestinian state”) it’s clear that the only “two-state solution” he will accept is one where the Palestinians get a few disconnected and totally disarmed statelets, with Israel in full control of their borders, airspace, water, and electromagnetic spectrum. And remember that Netanyahu is among the more moderate people in his own coalition. (WALT 2010b)

O anúncio da expansão dos assentamentos deu origem à crise que foi anunciada como a “pior em 35 anos”. No debate público, o Lobby fica do lado de Israel, acusando os EUA pela crise que se instalou. Obviamente, grupos como o Aipac e o Winep culpam Obama e sua administração por faltarem com lealdade a Israel. Segundo Mearsheimer,

There will be more crises ahead, because a two-state solution is probably impossible at this point and ‘greater Israel’ is going to end up an apartheid state. The United States cannot support that outcome, however, partly for the strategic reasons that have been exposed by the present crisis, but also because apartheid is a morally reprehensible system that no decent American could openly embrace. Given its core values, how could the United States sustain a special relationship with an apartheid state? In short, America’s remarkably close relationship with Israel is now in trouble and this situation will only get worse. (MEARSHEIMER, 2010)

John Mearsheimer reconhece a importância da pressão exercida por Hillary Clinton sobre Netanyahu após a divulgação da construção das 1600 casas, assim como Obama fizera em 2009 quando interpelou Israel pelo congelamento temporário dos projetos para novos assentamentos nos Territórios Ocupados. Todavia, o autor julga improvável que a gestão democrata rompa com o histórico alinhamento dos interesses norte-americanos com os israelenses, e tanto a atuação do Lobby quanto a não-disposição de Obama para desgastar seu capital político contra Israel estancarão a reavaliação da “relação especial” no plano retórico.

Concluiremos esta seção com os comentários de Stephen Walt na Foreign Policy sobre a recente ação militar israelense contra embarcações que levavam ajuda humanitária à Gaza que desafiou o direito internacional[8], desencadeou a morte de nove ativistas e chocou o mundo todo. Segundo o analista, o incidente revela a deterioração dos pilares estratégicos israelenses, em curso desde 1967. Ao mesmo tempo, dá a Obama a oportunidade de pôr em prática a novíssima Estratégia de Segurança Nacional de seu governo (maio 2010), onde figura central a defesa dos valores americanos e do império da lei na ordem internacional.

More importantly, this latest act of misguided belligerence poses a broader threat to U.S. national interests. Because the United States provides Israel with so much material aid and diplomatic protection, and because American politicians from the president on down repeatedly refer to the “unbreakable bonds” between the United States and Israel, people all over the world naturally associate us with most, if not all, of Israel’s actions. (WALT, 2010d)

Na perspectiva de Walt, caso a administração Obama não reaja com assertividade, será julgada como hipócrita, fraca e desqualificada para negociar no Oriente Médio. “And Obama’s Cairo speech - which was entitled ‘A New Beginning’ - will be guaranteed a prominent place in the Hall of Fame of Empty Rhetoric.” (WALT, 2010d) Note-se que a “abordagem” israelense à flotilha é subseqüente a outro importante fato na geopolítica da região: o acordo entre Irã, Brasil e Turquia relativo ao projeto nuclear iraniano.

Para Walt, este incidente é o teste decisivo para a comunidade “pró-Israel” nos EUA, cujo dever é abandonar seu apoio cego a Israel, que só continuam neste equivocado viés de política externa devido ao apoio dos simpatizantes “linha-dura” nos EUA. Em seu tom conspiratório habitual, o autor afirma que “AIPAC spokesmen are already bombarding journalists and pundits with emails spinning the assault, and we can confidently expect other apologists to prepare op-eds and blog posts defending Israel’s conduct as a principled act of self-defense.” (WALT, 2010d) Se o governo Obama tentar responder “devidamente” ao incidente, pode esperar por uma oposição feroz das organizações mais influentes do Lobby de Israel.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos concluir a partir da sistematização dos textos selecionados como Walt e Mearsheimer não recuaram em seus principais argumentos, fazendo um balanço conjuntural no qual o Lobby de Israel segue com ampla influência no debate sobre a política externa dos EUA para o Oriente Médio. Ambos atentam, contudo, para a questão da retórica política. Esta sim teria mudado significativamente na gestão democrata e se ainda não surtiu efeitos práticos, estamos para vê-lo devido à radicalização da divergência entre os interesses americanos e israelenses. Como se tem notado, o establishment liderado por Obama ruma ao realismo e ao pragmatismo, e se tem algumas amarras idealistas, tende a sublimá-las em favor do interesse nacional. Ora, essa é justamente a postura defendida por Walt e Mearsheimer, ainda que reconheçam pessimistamente que a questão israelense, dentre tantas outras, é especialmente frágil justamente por causa da atividade do Lobby.

BIBLIOGRAFIA

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  • FELDBERG, Samuel. Estados Unidos e Israel: uma aliança em questão. São Paulo: Editora Hucitec, 2008.
  • FINGUERUT, Ariel. Correntes de pensamento na formulação da política externa estadunidense após o fim da Guerra Fria: a equipe de governo de Barack H. Obama em perspectiva comparada. In: AYERBE, L. Fernando (org.) De Clinton a Obama: políticas dos Estados Unidos para a América Latina. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
  • JUDT, Tony. A Lobby, not a conspiracy. New York Times, 19 abril 2006. Disponível em: http://www.nytimes.com/2006/04/19/opinion/19judt.html
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  • PETRAS, James. The power of Israel in the United States. Atlanta: Clartity Press Inc, 2006.
  • PIPES, Daniel. Democrats, Republicans and Israel. New York Sun, 26 de maio 2006.
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  • WALT, Stephen (2010e). In the fight over settlements, who are Israel’s real friends? The Washington Post, 21 março 2010. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/03/19/AR2010031901387.html
  • WALT, Stephen (2010c). On “dual loyalty” Foreign Policy, 2 abril de 2010. Disponível em: walt.foreignpolicy.com/posts/2010/04/02/on_dual_loyalty
  • WALT, Stephen (2010d). Israel latest brutal blunder. Foreign Policy, 31 maio 2010. Disponível em: http://walt.foreignpolicy.com/category/one_time_tags/obama_and_the_israel_lobby


[1] Respectivamente a Secretária de Estado e o enviado especial o Oriente Médio na administração Obama.

[2] O sionismo cristão é um movimento que apóia Israel por crer que o país representa papel central no cumprimento da profecia bíblica da segunda vinda de Jesus no fim dos tempos. Esta tese é conhecida como pré-milenarismo e tem origem na interpretação literal do Primeiro Testamento.

[3] Walt e Mearsheimer apontam também que o Lobby teria presença na American Enterprise Institute, na Brookings Institute, no Center for Security Council, no Foreign Policy Analysis, na Heritage Foundation, Hudson Institute e no Jewish Institute for National Security Affairs. (2006, p. 58)

[4] Mesmo dentro dos EUA a meta de desalojar Saddam é perseguida pela Agenda neoconservadora desde o governo Clinton, tendo ganhado impulso pelo clima de guerra ao terror no pós 11 de setembro.

[5] Dentre outros, o respeito aos direitos humanos e à democracia e à construção da paz.

[6] Barack H. Obama é empossado como 44º presidente dos EUA em 20 de janeiro de 2009.

[7] A atual situação de Jerusalém Oriental é espacialmente delicada, pois a região está sob domínio israelense desde a Guerra dos Seis Dias em 1967 (cujo legado são fronteiras ilegais perante o direito internacional), e abriga maioria árabe, sendo reivindicada como futura capital do Estado Palestino. Para Netanyahu, Jerusalém pertence a Israel, é indivisível, e não estará como condição em nenhuma negociação de paz.

[8] A operação militar israelense ocorreu em águas internacionais, para além do mar territorial de Tel Aviv.

Luiza Rodrigues Mateo é Mestranda em Relações Internacionais no Programa de Pós-Graduação San Thiago Dantas – PUC-SP/Unicamp/UNESP e pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos sobre Estados Unidos – INEU ([email protected]).

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