Estados Unidos: o desafio da presidência imperial para os democratas, por Virgílio Arraes
Em janeiro de 2009, os democratas assumem novamente o poder. Como na campanha de 1992, a economia mal conduzida pelos republicanos propiciou as condições para a sua derrota. A diferença desta vez foi a política externa: há 16 anos, o governo George Bush tinha a apresentar ao eleitorado duas vitórias: a Guerra Fria e a Primeira Guerra do Golfo.
Como contraponto, seu filho praticamente homônimo - curiosamente, seu sucessor entre os republicanos - duas derrotas: Afeganistão e Segunda Guerra do Golfo. Nesse sentido, o maior desafio para os democratas não foi a eleição presidencial em si, mas as suas próprias prévias. Em sendo assim, mudança foi o termo-chave da campanha do Senador Barack Obama.
Embaralhado politicamente - em decorrência do acúmulo de inúmeros erros de seu condiscípulo nos oito anos à frente da Casa Branca - restou ao candidato da situação, Senador John McCain, o difícil encargo de selecionar os presumidos acertos de Bush para posteriormente exaltá-los, de maneira despretensiosa, perante os eleitores, dada a falta de entusiasmo de seus próprios partidários.
Em virtude do atentado terrorista de 11 de setembro de 2001, a presidência norte-americana adquiriu mais desenvoltura para executar medidas polêmicas, em nome da segurança nacional. Inseguro, ou mesmo tíbio, o congresso não teve, por sua vez, desembaraço para questionar a eficácia - ou ainda a validade - de tais ações.
George Bush obteve, na prática, condições políticas para exercitar uma presidência ao estilo imperial. No parlamento, as críticas mais consistentes avolumaram-se a partir da segunda metade de seu duplo mandato, quando se tornou evidente que a militarização excessiva da política externa não levaria o país ao êxito no Oriente Médio e adjacências.
A partir de então, as queixas se tornaram comuns nas manifestações dos democratas, mesmo entre aqueles parlamentares que haviam apoiado anteriormente a escolha da força em detrimento da negociação como o melhor encaminhamento para solucionar os problemas do país na Ásia.
Todavia, o efeito na Casa Branca foi bastante diminuto, à proporção que as principais ações do governo já haviam sido implementadas - os congressistas republicanos afirmavam que interrompê-las ainda no mandato em curso desgastaria mais o país do que o próprio presidente, impedido legalmente de disputar nova eleição.
Como medida paliativa, houve a saída de nomes representativos da corrente neoconservadora como os de Donald Rumsfeld, à frente do Departamento de Defesa, e de John Bolton, Embaixador junto à Organização das Nações Unidas. No entanto, isto não significou reconhecer o malogro da concepção adotada, apenas o da sua aplicação.
No Partido Republicano, a orientação foi distinta, de sorte que a avaliação cotidiana da gestão Bush contou com condescendência demais de seus aliados. Assim, as criticas mal se esboçaram, o que provocou o enfraquecimento político de suas principais lideranças, por subscreverem de modo constante a tática de tentar revestir totalmente a Casa Branca, a fim de resguardá-la.
Este comportamento desaguou no reforço, mesmo involuntário, do comportamento imperial do governo e na reiteração da ineficiência, haja vista a falta costumeira de autocrítica. Na prática, acarretou no processo eleitoral presidencial de 2008 dois fatos:
Entre os republicanos, as prévias foram disputadas sem postulantes carismáticos, sendo dois dos três principais vinculados ao conservadorismo religioso, o que dificultou cativar o eleitorado das grandes cidades, tradicionalmente de feitio mais secular. Por fim, o vencedor, McCain, embora apresentado como independente (maverick) em sua própria agremiação, pertencia, de fato, à corrente conservantista;
Entre os democratas, a personificação da presidência durante o mandato de Bush auxiliou indiretamente a sua campanha. Destarte, após a escolha de Obama, ofertou-se à população a idéia de um presidente morigerado, capaz de encerrar as mazelas da população depois de quase uma década no poder de republicanos.
Ademais, Obama, desde o início da disputa entre os democratas, não se referenciou como candidato de um segmento - fosse religioso, fosse étnico, fosse geográfico - mas mandatário dos tradicionais valores norte-americanos, ao propor o seu resgate, vista a sua importância universal, como a exaltação da democracia, por exemplo.
Diante do enaltecimento mais recente do poderio presidencial, o desafio maior para o futuro titular da Casa Branca é o de não frustrar repentinamente os eleitores, dada a limitação real de executar no curto prazo medidas de recuperação do bem-estar da população.
Se a glorificação da presidência imperial consumiu o governo Bush, visto que ele não conseguiu solucionar adequadamente os problemas surgidos, e auxiliou os democratas a retornar a Washington, ela poderá ocasionar os mesmos efeitos na futura gestão.
Virgílio Arraes é Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília - iREL-UnB ([email protected]).
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