Oportunidades para Cooperar nas Relações Brasil-EUA, por Diego Araújo Campos
Como sugeriu a secretária de Estado Hillary Clinton em sua primeira reunião com o ministro Celso Amorim, no final de fevereiro de 2009, não será por falta de oportunidades para cooperar que os governos Obama e Lula deixarão de trabalhar juntos.
A presença de ambos os países no G-20 financeiro significa importante fórum para convergência dos interesses brasileiro-americano no âmbito multilateral. Por certo, o G-20 também representa importante meio de se combater o protecionismo por meio do diálogo e de ações concertadas.
A necessidade de conter as pressões protecionistas, que se multiplicaram com a crise, foi proclamada na primeira reunião de chefes de governo do G-20, realizada em novembro de 2008, em Washington. Desde então, vários países-membros do grupo, entre eles os EUA, a União Européia e a Argentina, ignoraram o compromisso e adotaram leis e normas protecionistas. A cláusula Buy American, do pacote de estímulo de quase US$ 800 bilhões aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos e sancionado por Obama em fevereiro de 2009, estipula que os produtos de ferro e aço e os demais manufaturados usados em projetos de infraestrutura, financiados pelo pacote, devem ser de origem americana.
No âmbito da Rodada Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), não há indícios sobre o desejo de retomada das negociações e é improvável que o ambiente político doméstico permita que isso aconteça antes de a economia começar a dar sinais de vida. A administração Obama já assinalou que a liberalização de mercados dos grandes países emergentes, especialmente China e Índia, é precondição para avanços em negociações globais.
Em 2009, o Brasil foi autorizado pelo Orgão de Solução de Controvérsias da OMC a adotar medidas compensatórias contra produtos norte-americanos, visto que os EUA continuam a subsidiar sua produção algodoeira. A OMC anunciou em 2009 que avaliará um caso apresentado pelo Brasil contra os EUA por supostas medidas antidumping impostas sobre o suco de laranja exportado para o mercado americano.
A principal questão no caso do suco de laranja é o uso pelos EUA do sistema chamado de “zeramento” (zeroing, em inglês), que consiste na retirada do cálculo de dumping as transações em que os preços de exportação são maiores que os preços de venda no mercado interno do país que exporta.
Conquanto haja fricções nas relações comerciais, o Brasil beneficia-se do comércio bilateral por exportar para os EUA sobretudo produtos industrializados. Como afirmou o secretário de comércio exterior do Brasil, Welber Barral, no “XVII Encontro sobre Parceria Estratégica entre o Brasil e os Estados Unidos”, realizado em dezembro de 2009: “O comércio entre esses dois países é marcado por trocas intrafirmas, o que garante que nossas exportações sejam majoritariamente de bens industrializados.”[i] A crise econômica internacional prejudicou, todavia, o comércio bilateral. Entre os meses de janeiro e novembro, as exportações brasileiras para os EUA somaram US$ 114,3 bilhões, cifra 44,5% menor que a registrada no mesmo período do ano passado. Na mesma comparação, as importações de produtos norte-americanos retraíram 21,1%, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
As barreiras norte-americanas ao etanol brasileiro são um importante obstáculo ao comércio bilateral. Mesmo assim, os dois países já começaram a cooperar na área dos biocombustíveis, quando da assinatura de um memorando de entendimento em março de 2007.[ii] Um dos objetivos do memorando é a difusão de técnicas de cultivo de cana e produção de etanol e cogeração de bioeletricidade no mundo em desenvolvimento, com ganhos potenciais para as empresas brasileiras.
Como formador de consenso, o Brasil pode ser interlocutor da aproximação entre EUA e Cuba. O Brasil, que deu os primeiros passos em favor da reintegração da ilha nos órgãos de representação política das Américas, durante a cúpula de líderes da América Latina e Caribe, realizada em dezembro de 2008 em Sauípe, foi ator de peso na revogação da resolução da Organização dos Estados Americanos (OEA), que suspendia Cuba da organização.
Na América do Sul, o Brasil apresenta-se como mediador e facilitador de diálogo entre os países, o que é de especial interesse dos EUA. Entre a retórica antiamericanista de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Corrêa (Equador) e a pró-EUA de Álvaro Uribe (Colômbia) e Alan Garcia (Peru), o Brasil representa o mediador de posições, ao tentar evitar atitudes extremas de ambos os lados.
Como Obama é filho de um queniano, o presidente americano vê com interesse a África, assim como o Brasil de Lula[iii]. O investimento que o governo Lula fez nas relações com países africanos e a presença significativa de empresas globais brasileiras, como a Odebrecht e a Petrobras, no continente tornam a África uma área propícia para ações coordenadas de cooperação. Duas dessas ações foram levadas adiante nos últimos três anos em projetos-piloto que o Brasil e os EUA patrocinaram em Guiné-Bissau, para o aprimoramento institucional do país, e em São Tomé, no combate à malária. A propagação do biocombustível é uma área natural para a cooperação entre os dois países na África, além da saúde, em que o Brasil já atua e na qual existe interesse de fundações beneméritas dos EUA e de outros países.
A energia nuclear representa um tema que pode revelar-se o mais difícil e complexo das relações entre o Brasil e os EUA nos anos à frente. A visita do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad ao Brasil, em novembro de 2009, caracterizou-se pelo apoio brasileiro ao desenvolvimento iraniano de tecnologia nuclear para fins pacíficos. Diferentemente do Brasil, os EUA acreditam que o Irã desenvolve tecnologia nuclear para fins bélicos. Sendo assim, os norte-americanos condenam a cooperação Brasil-Irã nas mais diversas áreas.
Como visto, as relações Brasil-EUA apresentam pontos de convergência e de divergência. Ambos devem encapsular essas divergências para que não afetem as áreas de maior convergência no relacionamento bilateral. Somente assim, mais oportunidades surgirão rumo ao desenvolvimento da parceria estratégica Brasil-EUA.
Diego Araújo Campos é Mestre Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio ([email protected]).
[i] Disponível em: http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/noticia.php?area=5¬icia=9503. Acesso em 01 jan. 10.
[ii] O relacionamento bilateral tem sido marcado pelo estabelecimento de um diálogo estratégico, consolidado pela visita de Bush a São Paulo em março de 2007 e a viagem de Lula a Camp David, apenas três semanas depois. Durante a visita de Bush a São Paulo, foi assinado o Memorando de Entendimento sobre Biocombustíveis, que contribui para fortalecer a parceria para a expansão do etanol, com vistas ao desenvolvimento de tecnologias e à criação de um mercado global para o produto. Na véspera do encontro entre os Presidentes Lula e Bush em Camp David, o Ministro Celso Amorim e a Secretária de Estado Condoleezza Rice assinaram documento para a cooperação triangular com vistas ao fortalecimento legislativo em Guiné Bissau e Memorando de Entendimento renovando a Cooperação bilateral em Educação. Além dos encontros de alto nível, diversos Grupos de Trabalho estão em funcionamento, tais como o Mecanismo de Consultas Políticas, o Diálogo Estruturado Itamaraty-Departamento de Estado sobre Temas Econômicos, o Comitê Consultivo Agrícola, o Mecanismo de Consultas Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio – Departamento de Comércio (MDIC-DoC), e o Foro de Altos Executivos Brasil-EUA (CEO Forum).
[iii] Ver artigo A África na Política Externa Brasileira. Disponível em: www.diegoaraujocampos.com.br.
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