O Uruguai e o Mercosul: novos desafios de José Mojica, por Pedro Ernesto Fagundes
A recente eleição presidencial uruguaia consagrou nas urnas o candidato da Frente Ampla, José Pepe Mojica, ex-guerilheiro que contou com o apoio do atual presidente Tabaré Vázquez. Em uma de suas primeiras entrevistas para a imprensa brasileira, o presidente eleito do país cisplatino tratou de um assunto de importância estratégica para a integração regional da América do Sul: o Mercosul. Contudo, antes de tratarmos dos pontos centrais da entrevista é importante apresentarmos a trajetória do novo presidente do Uruguai. Carlos Mojica além do discurso moderado durante a campanha tem outro ponto em comum com outros chefes de Estado sul-americanos. Da mesma forma que Michelle Bachelet (Chile) e Lula (Brasil), Mojica esteve na linha de frente da resistência contra a ditadura militar em seu país.
O golpe militar foi um artifício amplamente utilizado durante as décadas de 1960 e 1970 em toda a América Latina. Apesar de ser considerada a “Suíça sul-americana” por conta de seus índices sociais positivos e de sua estabilidade política o Uruguai acabou entrando do círculo vicioso da onda anti-comunista adotada pelo governo norte-americana durante o período da chamada Guerra Fria. (FICO: 2008)
A preocupação em eliminar possíveis focos de “contaminação comunista” continuou norteando as manobras norte-americanas ainda durante a administração de Richard Nixon (1969-1974). Haja vista, que durante a década de 1970 foram realizados golpes militares no Chile (1973) e Argentina (1976), todos com o total apoio do governo norte-americano. Foi exatamente nesse cenário que ocorreu, em 1973, um golpe militar no Uruguai.
Como resposta ao regime de exceção um grupo de militantes de esquerda, entre eles o jovem Pepe Mojica, passou a intensificar ações guerrilheiras do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros (MLN-T). (COGGIOLA:2001). Por conta de sua atuação política, o presidente eleito do Uruguai foi baleado inúmeras vezes e passou vários anos na cadeia. Com o retorno do governo civil, em 1985, Mujica transformou-se em um dos líderes da Frente Ampla, coalização eleitoral de centro-esquerda pela qual elegeu-se senador e, recentemente, presidente da república.
Apesar de suas dimensões reduzidas o Uruguai sempre ocupou uma posição de destaque na América do Sul. Antigo Vice-reino da Prata, esse país esteve no centro de disputas territoriais até conseguir sua independência em 1828, depois da Guerra Cisplatina. No campo econômico o país notabilizou-se no setor agrícola e pastoril, tornando-se importante fornecedor de seus vizinhos e de países europeus. Sua posição estratégica na saída da bacia do rio da Prata tornou o Uruguai um país naturalmente voltado para o mercado externo. (AQUINO: 2001). Tanto que em 1960 sua capital foi o local da assinatura do Tratado de Montevidéu, que criou a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC). Essa organização enfrentou muitas dificuldades, além desta questão, comum em todas as integrações, questões próprias da região acrescentavam dificuldades ao processo. A América do Sul, entre as décadas de 1960 e 1970, viveu uma época de grande instabilidade política.
Por outro lado, os países da região já estavam empenhados em uma política de substituição de importações para promover o crescimento interno, o que acarretou o surgimento de um conjunto de barreiras tarifárias, fato que colaborou no fracasso desse projeto integracionista. Em decorrência de divergências e de diferenças de caráter econômico, a ALALC foi substituída por outra organização.( HERZ:2008).
Em 1980, a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) ocupou o lugar da ALALC. Esse novo esforço de integração contava entre seus membros com Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. O objetivo comum era desenvolver ações e iniciativas para a efetiva construção de um mercado comum regional.
Para tanto, previu-se como mecanismo básico a criação de uma zona de preferência tarifária regional, observando-se especialmente os interesses dos países de menor desenvolvimento. A ALADI pretendia ainda colaborar no estabelecimento de acordos bilaterais, pelos quais os países envolvidos poderiam aprofundar as concessões feitas globalmente, desde que se permitisse a adesão de outros Estados integrantes da ALADI.
Diversos problemas dificultaram a implementação desse mercado comum regional. Um dos principais obstáculos ao desenvolvimento pleno desse projeto foi a crise econômica mundial que gerou um ambiente marcado pela recessão e por altos índices de inflação durante os anos de 1980 no sub-continente.
Nessa mesma época a América do Sul começa um processo de redemocratização de seus regimes. Apesar dos resultados extremamente tímidos alcançados pela ALALC e dos limites da ALADI, o Uruguai voltou a apostar na integração regional. (MENEZES:2006). Dessa forma, no inicio da década de 1990 o Uruguai foi um dos signatários do Tratado de Assunção que visava a criação de um Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Os governos do Brasil, da Argentina e do Paraguai também participaram das negociações para o estabelecimento do Mercosul. O planejamento previa que todos os membros do mercado comum assumissem os seguintes compromissos:
a) livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente;
b) estabelecimento de uma tarifa externa comum, a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados e a coordenação de posições em foros econômicos/comerciais regionais e internacionais;
c) a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os países-membros;
d) e o compromisso dos Estados-Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
Apesar dos limites econômicos e das dificuldades na integração de economias tão diferentes, o Mercosul representa - até o momento - avanços na tentativa de articulação dos países da região. Inclusive outros países da América do Sul acabaram aderindo ao bloco como membros-associados, entre eles Chile, Bolívia, Peru e Equador.
Em uma de suas primeiras entrevistas a imprensa brasileira José Mujica falou, entre outros assuntos, na busca da completa inserção do Uruguai no mundo globalizado. Mujica reconhece as limitações pelo fato do país ter sua economia baseada na agricultura e na pecuária. Mesmo assim as expectativas em relação ao futuro são as mais positivas, especialmente nos investimentos na área educacional.
Em relação às resistências internas ao livre comércio com os outros países do cone sul, Mujica procura enfatizar que existem setores da oposição uruguaia que são contrários aos movimentos de aproximação com as outras economias da região, sobretudo, com o Brasil e a Argentina.
Na entrevista o presidente eleito do Uruguai esclarece que a integração regional continuará sendo privilegiada durante sua administração. Mesmo em detrimento de setores da oposição que defendem uma maior diversificação do governo com outros blocos, sobretudo, com a União Européia e os EUA.
Outros pontos levantados na entrevista são sobre a necessidade de uma integração que não fique restrita apenas à esfera mercantil. Para José Mujica, o Mercosul precisa caminhar no sentido de uma integração nas áreas de ciência, tecnologia, educação e na infra-estrutura. O presidente da antiga “banda oriental” defende, por exemplo, um maior intercâmbio entre os setores energéticos e de comunicações da região.
Essa entrevista serve para ratificar que a posição do governo do Uruguai sobre o processo de integração regional não deverá sofrer mudanças radicais. A trajetória política e a moderação no discurso de José Mujica somada à vocação para o mercado externo do país são fortes indicativos que, a partir da posse do novo presidente, para o governo de Montevidéu, o Mercosul estará definitivamente caminhando para uma plena integração mercantil, tarifária, cultural e política.
Referências bibliográficas:
- AQUINO, R. et al. História das Sociedades Americanas. São Paulo: Record, 2001.
- COGGIOLA, Osvaldo. Governos militares na América Latina. São Paulo: Contexto, 2001.
- FICO, Carlos. O Grande irmão: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo. O governo dos Estados Unidos e a ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
- HERZ, Mônica. Carta da OEA (1948). In: MAGNOLI, Demétrio (Org.). História da Paz: os tratados que desenharam o planeta. São Paulo: Contexto, 2008.
- MENEZES, Alfredo da Mota. Integração Internacional: os blocos econômicos nas relações internacionais. São Paulo: Campus, 2006.
Pedro Ernesto Fagundes é Doutor em História Social pelo Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Professor do Centro Universitário São Camilo - ES ([email protected]).
Os comentários estão desativados.