Reminescência da Guerra Fria: Alexander Haig (02-12-1924 a 20-02-2010), por Virgílio Caixeta Arraes

Na história norte-americana, há poucos momentos em que militares, mesmo os muito condecorados, lançam-se à política partidária. Desde os 1800s, há um decrescer nas aspirações deste segmento e, portanto, nas chamadas pré-candidaturas. No século XX, apenas um logrou o êxito maior: Dwight Eisenhower, um dos cinco oficiais-generais do Exército de cinco estrelas, com equivalência na prática a um marechalato, governou o país entre janeiro de 1953 e de 1961, ao ser eleito pelo Partido Republicano.

Não obstante a origem castrense, a sua administração encerrou a participação norte-americana na Guerra da Coréia, ao atribuí-la habilmente a uma equivocada iniciativa dos seus opositores internos, os democratas – oportunidade atualmente desperdiçada por estes no tocante ao Afeganistão e Iraque.

Entre as décadas de 70 e 80, um militar de alta patente destacou-se em duas gestões republicanas, Richard Nixon e Ronald Reagan, ainda que de forma polêmica. A sua participação no primeiro escalão da Casa Branca levou-o a mesmo cogitar a hipótese de lançar-se candidato à Presidência por duas vezes, porém desconsiderada após os primeiros passos infrutíferos.

Alexander Haig, oficial-general de quatro estrelas, não estaria destinado, a princípio, a uma carreira fulgurante no Exército, devido ao seu modesto desempenho ao longo do curso preparatório na Academia de West Point: 214º lugar de um total de 310 cadetes. No entanto, atingiria ao fim uma patente maior que a do o futuro sogro, general de três estrelas, e a do o cunhado, coronel.

Enviado em 1947 ao Japão, em decorrência do processo de ocupação do país pelos Estados Unidos, integrou a ajudância do General Alonzo Fox, adjunto de Douglas McArthur, Comandante Supremo das Forças Aliadas. Lá, enamorar-se-ia da filha de seu superior, Patricia, com quem acabaria por casar-se em 1950 – Fox iria compor a reserva apenas em 1959.

Participou da Guerra da Coréia sem sobressair, mas sem pessoalmente desgastar-se, não obstante a sua lotação junto ao polêmico General-de-Brigada Edward Mallory, considerado responsável por um dos maiores reveses de seu país no conflito. Em 1962, defendeu dissertação de mestrado em relações internacionais na prestigiosa universidade Georgetown. No mesmo período, o Comandante do Exército, Cyrus Vance, nomeou-o para o sua assessoria.

Logo depois, o próprio titular da pasta de Defesa, Robert McNamara, convidá-lo-ia para o seu gabinete na qualidade de número dois da assessoria especial. Na gestão de Lyndon Johnson, Haig retornaria à caserna, ao servir no conflito do Vietnã com distinção durante 1966 e 1967. Nele, obteve uma das mais almejadas condecorações: a Coração de Púrpura, concedida aos feridos em ação.

Com a vitória de Richard Nixon, Haig voltaria para uma função burocrática: a de auxiliar Henry Kissinger, na Assessoria de Segurança Nacional por meio de relatórios diários e atuar como oficial de ligação entre o Departamento de Defesa e o de Estado. Em 1969, ele chegaria ao generalato e ascenderia de modo inesperado na burocracia da Casa Branca, devido ao desdobramento do caso Watergate.

Após a vitória na eleição presidencial de 1972, Richard Nixon preparou-se para reverter administrativamente programas sociais idealizados por dirigentes democratas entre os anos 30 e 60 – basicamente, Roosevelt e Johnson. Contudo, em junho do mesmo ano, cinco intrusos haviam sido presos no escritório central da Comissão Nacional Democrata, localizado em um centro comercial e residencial, Watergate, no centro da cidade.

Chamou de imediato a atenção da polícia que os detidos tivessem consigo notas novas de cem dólares, câmaras sofisticadas, rolos de filme e principalmente escutas. De pronto, suspeitou-se de uma conexão com o Partido Republicano.

Após os primeiros procedimentos de averiguação, identificou-se um deles como ex-servidor da Agência Central de Espionagem (CIA), envolvido também na campanha de reeleição de Nixon.

Apesar de todos indicativos, os republicanos negaram qualquer vínculo com os acusados. O incidente em si não prejudicou o processo eleitoral. Em 1973, houve o julgamento, momento em que todos sumariamente reconheceram a culpa, à exceção de um que havia narrado ao juiz o envolvimento da cúpula republicana com o incidente.

Considerado o depoimento crível, procedeu-se a uma nova investigação, a qual aos poucos agregou mais elementos da participação de importantes servidores da Casa Branca, como o próprio diretor do Departamento Federal de Investigação (FBI).

Paralelamente à apuração criminal, o Senado iniciou a sua própria. Em maio de 1973, o chefe de gabinete do presidente, Harry ‘Bob’ Haldeman, exonerou-se – mais tarde, ele seria condenado a dezoito meses de prisão.

Na assessoria de segurança nacional, Haig, a despeito de divergência de posicionamento com o seu superior Kissinger no tocante à Guerra do Vietnã e no estabelecimento de contatos com a China, conquistou a confiança de Nixon, a ponto de ter-lhe sido concedido algo raríssimo: a promoção direta a quatro estrelas, sem passagem por comando de destaque, ao sobrepor-se a mais de duas centenas de oficiais mais antigos.

Em face da ascensão funcional, retornou ao Departamento de Defesa, mas com a saída de Haldeman, houve o seu deslocamento para a chefia de gabinete da Casa Branca, cargo que faria dele a eminência parda durante o desencadear da mais séria crise política da recente história estadunidense – segundo um dos procuradores vinculados à investigação ele teria sido o trigésimo sétimo presidente e meio.

Evidências de doações ilegais de grandes companhias para a campanha surgiram. A situação complicou-se quando o ex-advogado de Nixon foi ao Senado depor e afirmou que o presidente estava ciente de tudo desde o início. Durante o desenrolar do evento, Nixon buscou desacreditar perante o público a sua participação.

O imbróglio complicou-se quando testemunhas posteriores informaram que havia gravações secretas levadas a cabo na Casa Branca. Elas poderiam comprovar se o Presidente mentia ou não.

Quando o Senado requisitou-as, Nixon invocou o privilégio do Executivo, medida utilizada com o fito de preservar o sigilo de certas informações - relativas principalmente à segurança nacional - e, desta forma, resguardar altos funcionários do governo de eventual embaraço perante o Judiciário.

Com as denúncias avolumando-se – inclusive acusações de que ele teria fraudado o imposto de renda – Nixon concordou em nomear um procurador ad hoc, a fim de conduzir de maneira independente a apuração. No caso, escolheu-se Archibald Cox, professor da Faculdade de Direito de Harvard. Uma de suas primeiras providências foi a de solicitar as fitas cassetes.

Tendo em vista a recusa, recorrer-se-ia ao Judiciário que acatou o pleito. Em vez de cumpri-lo, Nixon pediu ao Procurador Geral a saída de Cox da investigação. Sem concordar com o pedimento, ele mesmo exonerar-se-ia. Em seguida, o seu adjunto. O outrora terceiro na hierarquia, no entanto, acolheria a súplica presidencial.

Ocorrida em outubro de 1973, a crise, chamada de o Massacre de Sábado à Noite, acentuou o desgaste, tendo em vista que, poucos dias antes, o Vice-Presidente Spiro Agnew havia renunciado e selado um acordo com a Procuradoria Geral: em troca da culpa de sonegação de impostos, ele recebeu uma multa e permaneceu em liberdade condicional – com a vacância, aplicou-se a vigésima quinta emenda, de 1967, que havia permitido ao Presidente nomear o Vice: o apontado seria o Deputado Gerald Ford.

Enquanto isso, Haig havia rapidamente constatado a impossibilidade de Nixon governar de modo normal; assim, buscou junto a terceiros – parlamentares republicanos e advogados do presidente – o apoio para que o Presidente fosse conscientizado da excepcionalidade de sua situação e, desta maneira, se ausentasse definitivamente da cena política, com o objetivo de aplacar a crise.

Em julho de 1974, Nixon finalmente reconheceu a impossibilidade de manter-se no cargo. Em agosto, haveria a sua renúncia; em troca, aguardar-se-ia o posterior perdão presidencial, por Gerald Ford, o que viria um mês depois.

Em vista de sua postura no processo de apuração das irregularidades de Nixon, Ford, dois meses após a sua posse, concedeu a Haig o posto de comandante-chefe da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Mesmo com a vitória de um democrata, Jimmy Carter, ele permaneceria no cargo. Ao retirar-se, ingressou na iniciativa privada e cogitou disputar as prévias presidenciais no Partido republicano, mas a aspiração foi celeremente posta de lado.

Com a derrota de Carter, Nixon pessoalmente interveio a favor de seu antigo chefe de gabinete para o seu retorno à Casa Branca, desta vez na condição de titular do Departamento de Estado.

A sabatina foi rigorosa, haja vista a tentativa dos democratas de desgastá-lo, por causa de sua participação de destaque no governo Nixon, e, indiretamente, constranger a nova administração. No entanto, ele seria ratificado no cargo com 93 votos.

Sua condução à frente do cargo em quase dezoito meses foi polêmica. Centralizador, ele desentendeu-se constantemente com seus pares sobre a melhor condução do país no cotidiano da Guerra Fria, especialmente com o Vice-Presidente George Bush. Autodenominado o ‘vigário’ da política externa, este irlando-americano centrou forças na América Central, a fim de interromper o crescimento de movimentos nacionalistas ou socialistas naquela região. Para tanto, não hesitou em apoiar governos ditatoriais ou com laços com paramilitares. A invasão de Granada havia sido arquitetada em sua gestão.

Ademais, posicionou-se internamente a favor de um maior enrijecimento na relação com a União Soviética, com a conseqüente ampliação da corrida armamentista e com a manutenção do apoio aos insurgentes fundamentalistas no Afeganistão.

A desinteligência com os demais membros do primeiro escalão chegou ao seu máximo no final de março de 1981, ao proporcionar-lhe na história americana um registro importante, ainda que de curta duração e de caráter negativo. A sua postura causaria desconforto na Casa Branca, em vista do indisfarçável açodamento por poder.

Quando dos acirrados debates acerca da proposta de orçamento do governo, o Presidente Ronald Reagan foi baleado no peito por um lunático, apaixonado por uma jovem atriz cinematográfica. Ferido seriamente, o sucessor natural seria George Bush que se encontrava no Texas. A despeito de ser o quarto na linha sucessória, Haig comunicou ao país estar à frente da administração até a chegada daquele.

Em junho de 1982, Reagan, após reunir-se com a sua assessoria mais próxima, decidiu defenestrar Haig, mas ofertando a ele a opção prévia da apresentação da exoneração. Desgostoso, ele afirmaria mais tarde que a política externa daquele período havia sido conduzida como um navio fantasma, beneficiada involuntariamente pela decadência inexorável da União Soviética.

Em 1988, arriscou novamente a sorte nas prévias eleitorais. Sem traquejo e sem apoio financeiro, retirou-se logo no início, na primária de New Hampshire. Em sua curta participação, não hesitou, entrementes, em endereçar fortes críticas a seu rival, Bush, que terminou por conquistar a indicação do Partido Republicano.

Afastado definitivamente da militância partidária, ele tornar-se-ia comentarista político, com opiniões ressoantes nos setores mais conservadores da sociedade norte-americana.

Virgílio Caixeta Arraes é Professor do Departamento de História da Universidade de Brasília - UnB ([email protected]).

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