A internacionalização empresarial e a paradiplomacia corporativa nas relações econômicas internacionais, por Eloi Martins Senhoras

O fenômeno da internacionalização empresarial tem sido uma tendência recorrente em distintas partes do globo, sem uma trajetória predefinida, que é advinda da formação de fluxos de exportação e de investimento externo no exterior por meio de redes de licenciamento e de empresas subsidiárias, de alianças estratégicas no exterior ou por processos de fusão e aquisição.

Em uma perspectiva histórica a atuação internacional das empresas transnacionais não se constitui em novidade nas relações econômicas internacionais, pois enquanto no passado atuavam de forma mais coordenada com os projetos de seus respectivos governos nacionais, estabelecendo uma maior relação de dependência entre ambos, hoje apenas se acelera uma lógica de negociação corporativa mais independente.

Nesta contextualização, durante décadas as empresas transnacionais tiveram relevância paradiplomática, contudo até os anos 1960, suas ações aconteciam de forma mais associada à própria diplomacia estatal. Foi somente a partir da década de 1960 que as empresas transnacionais passaram a negociar com maior autonomia no sistema internacional por meio de ações independentes ou paralelas conhecidas como paradiplomacia corporativa.

A maior importância do capital e da tecnologia no sistema capitalista contemporâneo elevou consideravelmente o poder de barganha das empresas multinacionais em comparação aos Estados, principalmente em países em desenvolvimento, que passaram por uma recente onda de liberalização e desregulamentação das economias nacionais.

Este diagnóstico revela que se formou ao longo do tempo um cognitivo modelo de diplomacia triangular, onde estão presentes processos de negociação e barganha entre governo-governo, governo-empresas e empresas-empresas que exige novas qualificações dos gerentes e burocratas.

Além das tradicionais negociações diplomáticas entre Estados, surgem duas novas dimensões paradiplomáticas, indicando que os governos precisam negociar com as empresas multinacionais para articularem minimamente uma lógica de governança e que tanto as empresas estrangeiras e como as domésticas necessitam de alianças corporativas para enfrentar os desafios da economia mundial.

Neste quadro relacional entre o Estado e o Mercado, a evolução da internacionalização empresarial e da paradiplomacia corporativa não acontecem de maneira global ou sem fronteiras, mas antes se processam por estratégias de ação multilateral e regional nas relações econômicas internacionais, o que transforma as corporações em agentes multinacionais ou transnacionais.

O movimento paradiplomático de internacionalização empresarial pode ser compreendido por duas tendências gerais que se processaram na formação histórica do capitalismo por meio da convergência entre o processo marxista de concentração e centralização do capital e do processo schumpteriano de destruição-criadora engendrado pela inovação empresarial.

Nesta visualização geral da internacionalização empresarial (produtiva e financeira), a hibridação analítica marxista-schumpteriana permite mostrar elementos de natureza sistêmica (dinâmica capitalista) e variáveis específicas à propriedade (empresas) e a fatores locacionais (países) que modelam as estratégias de paradiplomacia corporativa.

Como em seus processos de expansão transnacional, as empresas passam a se posicionar efetivamente como atores nas relações internacionais, surgem ações estratégicas intituladas de diplomacia corporativa que se revestem de um conjunto de orientações, princípios, políticas e práticas para atuação em um complexo tabuleiro de negociações internacionais.

A paradiplomacia corporativa resume um conceito da complexa riqueza presente na experiência estratégica e em um conjunto de ferramentas utilizadas pelas empresas na atuação internacional frente a um ambiente de negócios que é fragmentado, volátil e de risco. Por isso, as estratégias de paradiplomacia empresarial apresentam uma alta variabilidade advinda de características setoriais e da própria empresa para o gerenciamento sistemático e profissional do ambiente de negócios.

Segundo esta perspectiva analítica, os processos de extroversão transnacional de empresas e a formação de estratégias de paradiplomacia corporativa têm sido uma verdade incontestável na periodização dos ciclos hegemônicos da formação histórica do capitalismo, desde os tempos coloniais do capital-mercantil, do imperialismo do capital-industrial ou de globalização do capital-financeiro.

A especificidade da internacionalização empresarial no ciclo hegemônico do capitalismo sob a Pax Americana é identificada por processos concentrados espacialmente e temporalmente que conformaram três grandes ondas de desenvolvimento de empresas multinacionais.

A primeira onda de empresas multinacionais foi observada através de movimentos entre países centrais, concentrada principalmente a partir da internacionalização de grandes empresas e bancos norte-americanos, que se dirigiram logo após a II Guerra Mundial, para a Europa, beneficiadas pela contrapartida de indústrias estadunidenses registradas pelas normas de financiamento do Plano Marshall.

A segunda onda concentrada de internacionalização de empresas multinacionais desenvolveu-se em um curto período de tempo no sentido centro-periferia com a extroversão de uma série de empresas européias e americanas rumo à América Latina e Leste Asiático nas décadas de 1960 e 1970.

A terceira onda de internacionalização corporativa foi registrada a partir dos anos 1980, por meio da proliferação de Redes Internacionais de Produção Integrada (RIPIs) via estratégia de outsourcing com destinos múltiplos: centro-centro, centro-periferia, periferia-centro e periferia-periferia.

Neste contexto, as empresas multinacionais originárias de países centrais não mais são as únicas que concorrem entre si no mundo dos negócios, em função de existir um promissor movimento paralelo de empresas internacionalizadas originadas países emergentes. Existe um grupo de novas empresas multinacionais, que é formado por uma centena de empresas de diferentes setores e estágios de internacionalização que tanto faturam alto como crescem em uma velocidade espantosa.

Nesta terceira onda, a extroversão transnacional de empresas em distintas partes do globo, porém concentrada nos países identificados pela sigla BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), tem sido permeada por alguns padrões de gestão administrativa que se caracterizaram por processos de integração vertical definidos por estratégias de diversificação ou por processos de integração horizontal oriundos de estratégias de concentração.

De um lado, a ação paradiplomática de empresas por meio de estratégias de extroversão transnacional no âmbito regional e multilateral pode ser considerada como o resultado de uma ação estratégica de grupos empresariais privados para fortalecerem sua capacidade competitiva em um ambiente marcado pela crescente abertura de mercado.

De outro lado, a internacionalização empresarial é o reflexo de uma reorganização industrial propiciada pelas ondas de reforma do Estado e pelos programas de privatização que se difundiram em muitos países por meio da transferência de propriedade de empresas estatais para grupos internacionais privados.

Nesta contextualização torna-se relevante a compreensão de que os principais instrumentos da paradiplomacia corporativa utilizados nestes processos tanto nas arenas intra-nacional e internacional têm sido compostos por coalizões empresariais, lobby e negociações direta com Estados ou entes sub-nacionais.

Um dos traços mais marcantes engendrados por estas duas lógicas de paradiplomacia corporativa é o processo de desterritorialização das atividades econômicas engendrado por corporações transnacionais que passam a desenvolver suas atividades com crescente ação paradiplomática de efeito transnacional em função da maior mobilidade dos fatores produtivos, em especial do capital, trazidos pelas transformações no campo da logística internacional e das tecnologias de informação e comunicação.

Não obstante o processo de desterritorialização da empresas multinacionais seja crescente, ele não acontece de maneira aleatória no globo, uma vez que a substituição de territórios para a alocação das atividades produtivas acontece segundo uma lógica hierarquizada de eleição de outros lugares, preferencialmente seguindo uma tendência de regionalização transnacional, que tende a recriar padrões internacionais de re-territorialização.

Elói Martins Senhoras é Professor do Departamento de Relações Internacionais e pesquisador do Núcleo Amazônico de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima - UFRR ([email protected]).

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